A Câmara de Famalicão anunciou que está a instalar no centro da cidade um sistema de câmaras de vigilância por vídeo com a finalidade de “supervisão do espaço público”. Mas o projeto levanta dúvidas sobre a privacidade e a segurança dos dados dos cidadãos.
De acordo com a lei, a instalação de sistemas de videovigilância em espaços públicos precisa de autorização do Governo. Assim, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão teria de solicitar essa autorização ao Ministério da Administração Interna (MAI), que, por sua vez, toma a decisão em função de um parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
“Confirma-se que a CNPD não recebeu, até ao momento, nenhum pedido de pronúncia do MAI, pelo que não emitiu nenhum parecer”, revelou ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO uma fonte da Comissão Nacional de Proteção de Dados, ao ter sido questionada sobre o sistema de videovigilância na cidade de Famalicão.
Entretanto, fontes próximas do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, também garantiram ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO que não foi solicitado nenhum parecer à Comissão Nacional de Proteção de Dados porque o Ministério não recebeu do Município de Famalicão nenhum pedido de autorização para a instalação de um sistema de videovigilância no centro urbano.
O NOTÍCIAS DE FAMALICÃO contactou o gabinete de comunicação da presidência da Câmara de Famalicão, mas, durante toda a tarde desta quarta-feira, Mário Passos não respondeu às perguntas colocadas.
Quisemos saber junto de Mário Passos se a Câmara Municipal de Famalicão cumpriu os requisitos legais, nomeadamente solicitando a autorização do Ministério da Administração Interna, como determina a lei em vigor, e questionamos sobre como será feito o armazenamento das imagens, assim como a sua monitoração e visualização.
Também questionamos a autarquia sobre por que é que a instalação do sistema de videovigilância no centro da cidade, tão importante para os famalcienses, não foi discutida em reunião da Câmara Municipal e, posteriormente, na Assembleia Municipal, bem como por que razões não foi realizado um processo de consulta pública, informando os famalicenses e tirando as suas dúvidas.
Refira-se que no Parque de D. Maria II e no Parque de Mouzinho de Albuquerque (antigo campo da feira semanal) os automóveis cruzam-se com espaços de lazer dos cidadãos, nomeadamente em bancos e esplanadas, pelo que a colocação de um sistema de videovigilância (uma espécie de “bigbrother” urbano…) pode colocar em causa a privacidade dos famalicenses e dos turistas que visitem a cidade.
O NOTÍCIAS DE FAMALICÃO consultou o contrato “Sistema de videovigilância no Centro Urbano de V. N. de Famalicão” entre o Município de Famalicão e uma empresa unipessoal sediada na freguesia de Arnoso Santa Maria que, além de Famalicão, tem como cliente de videovigilância apenas uma escola do concelho de Guimarães, um contrato celebrado já este ano. Os outros contratos celebrados entre esta empresa, designada Multiconnect, e o Município de Famalicão são relativos a compra de papel A4 e de um retroprojetor.
CONTRATO PUBLICADO COM OITO MESES DE ATRASO
O contrato para instalação do sistema de videovigilância foi celebrado em outubro do ano passado, segundo apurou o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, só ontem foi divulgado no portal de contratos públicos do Governo de Portugal.
Questionamos a entidade gestora do Portal dos Contratos Públicos sobre o intervalo de oito meses entre a assinatura do contrato e a sua publicação. Fomos informados que “a responsabilidade dos dados inseridos no Portal BASE relativamente aos procedimentos é da exclusiva responsabilidade das entidades adjudicantes”.
O contrato tem o valor de 73.222,00 euros, aos quais acresce o IVA à taxa legal em vigor, e um prazo de execução de 60 dias. Informações como quantidade e localização das câmaras, armazenamento e visualização das imagens, bem como outras informações relativas às operações de videovigilância não constam no contrato. Possivelmente constam apenas no caderno que encargos que não foi divulgado no portal juntamente com o contrato.
Recorde-se que a Câmara de Famalicão divulgou, na semana passada, que “inicialmente, prevê-se a instalação de 12 câmaras apenas de controlo de movimento e em circuito fechado, onde será possível, por exemplo, verificar toda a circulação automóvel e detetar situações irregulares”.
O comunicado municipal refere que “a disposição de câmaras CCTV foi planeada para “cobrir toda a extensão” de vias que circundam a Praça D. Maria II, o Campo Mouzinho de Albuquerque e parques de estacionamento existentes.
O QUE DIZ A LEI
A Lei 95/2021, de 29 de dezembro, refere que “a utilização de câmaras de vídeo rege-se pelo princípio da proporcionalidade”. Na ponderação, caso a caso, da finalidade concreta a que o sistema de videovigilância se destina, deve ser considerada a possibilidade e o grau de afetação de direitos pessoais, decorrentes da utilização de câmaras de vídeo.
São proibidas a instalação e a utilização de câmaras fixas ou portáteis em áreas que, apesar de situadas em locais públicos, sejam, pela sua natureza, destinadas a ser utilizadas em resguardo.
A lei refere também que o pedido de autorização para instalação de sistemas de videovigilância é apresentado pelo dirigente máximo da força ou serviço de segurança. Pode ainda ser apresentado pelo presidente da câmara municipal, que pode promover previamente um processo de consulta pública.
Juntamente com o pedido de autorização para instalação de sistema de videovigilância devendo ser apresentados, entre outros elementos, identificação do local e da área abrangidos; identificação dos pontos de instalação das câmaras; características técnicas do equipamento; informação ao público sobre a existência do sistema; mecanismos para assegurar o correto uso dos dados registados; e avaliação de impacto do tratamento de dados sobre a proteção de dados pessoais.
Quando concedida, a autorização para instalação de sistema de videovigilância contém os seguintes elementos: locais e áreas abrangidos pelas câmaras de videovigilância; limitações e condições de uso do sistema; proibição de captação de sons, exceto quando ocorra perigo concreto para a segurança de pessoas, animais e bens; tipo de câmara e as suas especificações técnicas; duração da autorização.
Sempre que seja necessária alguma alteração na autorização concedida, é necessário solicitar uma nova autorização, caso não seja concedida, o material gravado deve ser destruído imediatamente.
SISTEMA PODE SER ALARGADO À ZONA ESCOLAR
No mesmo comunicado a Câmara de Famalicão informa que “está já a encetar diligências, para que, no futuro próximo, este sistema possa ter ainda mais funcionalidades” e que seja “alargado a outras áreas mais sensíveis da cidade, como a zona escolar”.
Para o Presidente da Câmara Municipal, Mário Passos, trata-se de um sistema “complementar e auxiliar da ação da polícia, em concreto da Polícia Municipal, que terá uma presença mais constante no centro de Famalicão”. “A alteração de paradigma que a cidade está a sofrer, que dá primazia aos peões na ocupação do espaço, obriga a um esforço acrescido na área da segurança, da fiscalização ao estacionamento indevido e da própria circulação e segurança rodoviária”, explica o autarca.
O comunicado da autarquia cita ainda o comandante da Polícia Municipal, António Magalhães, que fala “num policiamento de proximidade e visibilidade, que alia a tecnologia disponível aos recursos humanos da polícia, tornando a gestão do espaço citadino mais eficiente e otimizada”.
* notícia atualizada a 17 de junho, às 21h27, com a imagem de despachos do MAI.
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