O Ministério Público (MP) pede a perda de mandato do vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Ricardo Mendes, eleito pela coligação PSD-CDS e presidente da concelhia local dos centristas.
Ricardo Mendes está a ser acusado do crime de “recebimento indevido de vantagem” por ter participado numa viagem à Turquia, com as despesas a terem sido “totalmente suportadas” pela empresa Ano – Sistemas de Informação e Serviços, fornecedora do município famalicense.
Para essa viagem, realizada em 2015, a empresa de soluções informáticas convidou autarcas e quadros de vários municípios de norte a sul do país.
No Município de Vila Nova de Famalicão foram constituídos arguidos o vice-presidente Ricardo Mendes, o vereador do Ambiente, Pedro Sena, e uma arquiteta do departamento de Urbanismo.
Ricardo Mendes acaba por ser o responsável político com a proposta de pena mais pesada: a perda de mandato e o pagamento de 885 euros. A Pedro Sena, também do CDS, e à funcionária municipal, o MP pede o pagamento de 885 euros cada.
Ricardo Mendes: “Estou de consciência tranquila”
“Não cometi crime nenhum. Fui naquela viagem, mas não fui em representação da Câmara Municipal. Estava de férias e fui convidado na qualidade de utilizador da nova plataforma informática que a autarquia iria utilizar”, afirma Ricardo Mendes, em declarações ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO.
E reforça: “Nas declarações que prestei [ao Ministério Público] deixei isso bem claro. Por esse motivo julgo que esta acusação está baseada em pressupostos errados. Estou de consciência completamente tranquila. Não participei em nenhuma decisão que tivesse beneficiado esta empresa nem qualquer outra.”
Lembrando que não foi à Turquia em representação da Câmara Municipal de Famalicão, Ricardo Mendes argumenta que “as únicas competências acrescidas que um vice-presidente tem só valem quando está a representar o presidente da Câmara”.
“Esta acusação é desproporcional. Estou de consciência tranquila. Na minha perspetiva não cometi crime nenhum”, insistiu Ricardo Mendes, anunciando ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO que irá requerer a instrução.
Quanto às consequências políticas, parece estar fora de causa a sua demissão ou a retirada de uma eventual recandidatura pela coligação Mais Ação Mais Famalicão a um novo mandato autárquico. “A lista de candidatos à Câmara Municipal ainda não está feita. Não perdi o mandato…”, reagiu o autarca e líder local do CDS.
O vereador Pedro Sena, também ouvido pelo NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, afirmou estar “de consciência tranquila” e adiantou que irá “defender-se na hora certa”. Acrescentou que foi à Turquia durante as suas férias e “como utilizador da plataforma”.
CÂMARA DE FAMALICÃO FAZ 34 CONTRATOS
A Câmara de Famalicão, cidade onde reside o sócio-gerente da empresa, Manuel Amorim, também acusado, é aquela que mais relações mantém com a empresa de informática: desde abril de 2015 adjudicou-lhe 20 contratos de cerca de um milhão de euros. Mas a Ano – Sistemas de Informação e Serviços já tinha relações comerciais com a autarquia famalicense desde 2007.
Segundo os dados que constam no portal das compras públicas do Governo, desde 5 de maio de 2009 até hoje, a Câmara Municipal de Famalicão assinou um total de 34 contratos com a Ano – Sistemas de Informação e Serviços no montante global superior a 1,2 milhões de euros.
Em causa estão plataformas digitais como o sistema de gestão processual, documental e expediente, serviços de cobrança de débito direto e referências bancárias, serviço de faturação água e saneamento e gestão integrada, etc..
OUTROS MUNICÍPIOS INVESTIGADOS
Este processo resulta de uma segunda investigação ordenada pelo Ministério Público, depois de uma primeira, ordenada em 2016, ter resultado no arquivamento do processo no ano seguinte.
Assim, em 2019, o Ministério Público (MP) ordenou a investigação a 15 municípios que também participaram na viagem à Turquia, paga pela Ano – Sistemas de Informação e Serviços, que já tinha levado à acusação do presidente e do vice-presidente da Câmara de Penamacor, que esperam julgamento.
Além dos autarcas de Vila Nova de Famalicão, “foram também convidados e participaram na viagem vários elementos de outros” 15 municípios: Amares, Cabeceiras de Basto, Póvoa de Lanhoso e Vizela, no distrito de Braga, e Amarante, Baião, Ferreira do Alentejo, Leiria, Mêda, Mondim de Basto, Marco de Canaveses, Nordeste, Penamacor, Pinhel e Santa Maria da Feira.
Na viagem participaram igualmente elementos da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM BSE) e de empresas municipais de Almada (ECALMA) e de Guimarães (VIMÁGUA).
“CLIMA DE PERMEABILIDADE”
O Ministério Público sustenta na acusação que a oferta das viagens terá favorecido “a criação” por parte da empresa Ano – Sistemas de Informação e Serviços de um “clima de permeabilidade ou de simpatia para posteriores diligências, a fundamentar, portanto, a prática autónoma de outros tantos crimes de recebimento indevido de vantagem”.
De acordo com o portal de contratação pública, entre as 15 câmaras cujos autarcas aceitaram o convite, apenas as de Amares e Ferreira do Alentejo não adjudicaram qualquer contrato à empresa ANO, nem antes nem depois da viagem.
AUTARCAS DE PENAMACOR VÃO A JULGAMENTO
Após a dedução da acusação, os arguidos têm 20 dias para requerer a instrução, uma fase do processo facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento, neste caso, por um tribunal coletivo (três juízes).
Entretanto, o Tribunal da Relação de Coimbra deu razão ao recurso do Ministério Público e decidiu levar a julgamento o presidente e o vice-presidente da Câmara de Penamacor, por causa da sua viagem a Istambul, em 2015, paga pela empresa de informática ANO – Sistema de Informação e Serviços.
A decisão de pronúncia foi tomada a 12 de maio último e é contrária ao despacho da juíza de instrução, que optara, em fevereiro, por não pronunciar os dois autarcas por considerar que a aceitação da viagem se enquadrava nos “usos e costumes”.
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