“Como sabem, há os estados socialistas, os estados ditos comunistas,
os estados capitalistas e há o estado a que chegámos.”
Salgueiro Maia
A “Paisagem Protegida das Pateiras do Ave” faz parte de um compêndio de histórias inacabadas que nos últimos anos tem decorado o discurso ambientalista do executivo Municipal. Há uns anos falava-se do “Parque Natural da Portela”. Nos jornais da terra comentava-se que ao parque de merendas, junto à nascente do rio Pelhe, somar-se-iam novas parcelas que seriam repovoadas com a floresta nativa do concelho. Este não passou de um sonho de uma noite de Verão.
Agora que se aproxima o Outono, devemos voltar a ouvir falar no projeto das 30.000 árvores (recauchutagem do projeto das 25.000 árvores).
A Paisagem Protegida das Pateiras do Ave nem saiu do papel. Ou melhor… saiu, mas só para o material promocional: agendas, garrafas de alumínio… e um belíssimo filme promocional.
Quanto ao projeto das 30 ou 25 mil árvores, parece-me que temos aqui mais uma matéria inconsequente. O valor de uma árvore, seja ele ambiental, patrimonial, ornamental, ou mesmo económico, não reside na sua plantação, mas sim na sua preservação ao longo de dezenas e, de preferência, centenas de anos. Veja-se o exemplo do Carvalho de Calvos com mais de 500 anos.
Ora, na iniciativa “30 mil árvores para 2030” a maioria das árvores são distribuídas sem deixarem rasto. Para além das entregas avulso, o sítio do Município informa que existem protocolos com 5 proprietários. Mas não fazemos ideia da localização, nem da dimensão das parcelas com a exceção de uma: “Em Sezures, o terreno com uma área total de 1,78 hectares recebeu 450 árvores de espécies autóctones entre Medronheiros, Carvalho Alvarinho e Pinheiro Bravo.”
1,78 hectares… bem, isto não é coisa que impressione. Estamos a falar de uma parcela de terreno que equivale a menos de dois campos de futebol de 11 e corresponde a 0,03%(1) da área de floresta e meio naturais e seminaturais do concelho. E que garantia temos destas árvores não serem transformadas em lenha dentro de 30 anos? Parece-me que poucas.
Os Eucaliptos ocupam na floresta famalicense 3.960 hectares e os carvalhos 86,6 hectares(1). Estes números falam por si e dão-nos a dimensão da oportunidade que o nosso concelho tem para criar uma floresta que volte a ligar os famalicenses com a natureza.
Os projetos do Município precisam de ser avaliados. Coisa que manifestamente tem faltado nos últimos tempos. Esta é uma regra fundamental pois os recursos são escassos, o tempo é curto, e urge obtermos resultados e precisamos conhecer as nossas falhas para corrigir a trajetória. Isto é válido para as questões ambientais, mas não só. Todos os atos de governação deste concelho deveriam fazer este exame e torná-lo público.
É meu entendimento que só com uma floresta pública, seja ela propriedade do Município ou do Estado, será possível alterar o estado a que chegaram as nossas matas. Claro que há proprietários florestais que praticam uma boa gestão, equilibrando os valores ambientais e económicos. No entanto, uma floresta autóctone precisa de escala e de tempo para crescer e desenvolver-se. É um projeto de longo prazo e, no longo prazo, só estarão aqui os nossos netos, os filhos dos nossos netos. Este compromisso geracional só é possível com ferramentas e instrumentos de gestão coletiva e estáveis no tempo.
Não conheço a percentagem de floresta pública do concelho de Famalicão. Acredito que o número tenda para zero. Não é muito diferente do total nacional que é de 3% e, esta percentagem, compara mal com os números dos nossos vizinhos da UE:
% Floresta Pública UE 28 – 39,7% Portugal – 3,0% Alguns exemplos por países: Alemanha – 52,0% Itália – 33,6% Espanha – 29,2% França – 24,7%
Isto não vai lá com 30 mil árvores que não sabemos onde vão parar, nem o que será feito delas dentro de um punhado de anos. Proponho reflorestarmos 150 hectares com floresta nativa em terrenos Municipais, com objetivos bem definidos, avaliações regulares e divulgação pública do estado da arte. Este seria o começo para nos aproximarmo-nos dos 3% de floresta pública nacional. Depois disso podemos começar a nossa convergência com a Europa.
Post Scriptum: Estranho que o Vereador do Ambiente Hélder Pereira, passado mais de um ano de assumir o mandato, não se tenha reunido com as associações ambientais do concelho. Se o fez, foi sem deixar rasto ou de forma clandestina. Na clausura do seu Palácio Proibido dificilmente conseguirá envolver a sociedade famalicense para o seu projeto e perderá a oportunidade de enriquecer a sua perspetiva com os contributos de quem nos últimos anos fez do ambiente a sua causa.
(1) Plano municipal de defesa da floresta contra incêndios – VNF 2021-2030
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