Uma rosa com qualquer outro nome teria o mesmo cheiro – decretou Shakespeare, renegando importância ao facto de Romeu pertencer à casa rival da família de Julieta. Mas um nome tem, de facto, uma certa importância. Veja-se o caso das terras raras.
“Terras” porque à data (final século XVIII) assim se designavam os óxidos de teor metálico e emergiam dispersos e não em blocos. “Raras” corresponde a uma estimativa inicial, mas errada, de que todos estes novos elementos seriam pouco abundantes. Hoje, sabe-se que o cério ou o gadolínio são bastante mais abundantes do que a prata.
Não são nem terras, nem raras, mas assumem um papel primordial na atualidade.
Estes 17 elementos químicos da tabela periódica são hoje, devido às suas propriedades mais notáveis de índole química, ótica e magnética, essenciais, não apenas para alcançar a sustentabilidade, mas também porque pelas aplicações em muitos sectores estratégicos: tecnologias verdes, medicina, automação, robótica, inteligência artificial, segurança cibernética, telecomunicações, indústria aeroespacial, processamento de metais, equipamentos militares, biotecnologia, nanotecnologia…
Fazem parte de lasers, mísseis, submarinos e óculos de visão noturna. São essenciais para o sector aeroespacial e tecnologias verdes. Estão presentes em televisores, computadores, telemóveis, baterias, ecrãs de cristal líquido e todo o tipo de ímanes. Em medicina, são utilizadas nas tecnologias de diagnóstico e tratamento: ressonância magnética, raios X, tomografia e terapias oncológicas. No lar, otimizam os nossos eletrodomésticos e sistemas de iluminação.
Olhe ao seu redor, seja para a sua mesa de trabalho ou para a sala de estar de sua casa e descobrirá, sem esforço, uma dezena de equipamentos que não dispensam as propriedades eletrónicas e magnéticas destes elementos.
Sem estes 17 elementos, não haverá transição energética, sociedade digital ou tecnologia de ponta. Regrediríamos muitos anos…
Desigualmente distribuídos na natureza, calcula-se a existência de 124 000 000 toneladas (t) de reservas totais, desde as parcas 1 400 000 t dos Estados Unidos, 12 000 000 da Rússia para os 22 000 000 do Brasil e Vietname, até aos 44 000 000 t da China.
Nos dias conturbados que se vivem, percebe-se a azáfama dos Estados Unidos de conseguirem com a Ucrânia, o que apelidam de “acordo dos metais” em troca de apoio militar. Pretendem reforçar o poder das suas “big Tech” e minimizar a dependência em relação a rivais geoestratégicos como a China para os materiais necessários à produção de veículos elétricos, painéis solares, microchips e outras tecnologias estratégicas.
A Ucrânia, para além das terras raras, tem ainda reservas significativas no que respeita a 22 das 34 matérias-primas listadas como “críticas” ao abrigo da Lei das Matérias-Primas Críticas da União Europeia (EU): lítio, cerca de um terço das reservas europeias e a 3% das reservas mundiais e utilizados nas baterias recarregáveis utilizadas nos veículos elétricos; titânio, 6% da produção mundial e utilizado em aplicações aeroespaciais, militares e médica; gálio, quinto maior produtor mundial e essencial para os semicondutores; grafite, entre as cinco maiores reservas mundiais e também essencial para a produção de baterias para veículos elétricos. Acresce o facto de estar entre os dez principais países do mundo em termos de reservas de carbono, manganésio, ferro, titânio e urânio.
Quanto a terras raras poderemos estar a falar de cerca de 5% das reservas mundiais.
Relembremo-nos do deplorável espetáculo que se desenrolou na Sala Oval, no último dia de fevereiro.
O que seria a assinatura do dito acordo, acabou a ser um momento em que o mundo piscou os olhos, atordoado, desconfortável, horrorizado e estupefacto, enquanto um Presidente de um país devastado pela guerra era transformado em objeto de escárnio pelo Presidente do mais poderoso país do mundo. O acordo esfumou-se e ainda ontem, Kyiv, recebeu uma nova versão. A complexidade é, com certeza, grande.
A postura americana deixa-nos incrédulos.
Aparecer como um mediador sem posição equidistante das partes em conflito, não é usual. Os EUA e Trump são parte interessada. A diplomacia está a tornar-se demasiado opaca. Não é usual a quase convergência das narrativas entre Washington e Moscovo.
Para além do acesso e da exploração dos metais, a central de Zaporizhzhia ameaça ficar também sob jugo americano. E como não há duas sem três, a Ucrânia arrisca-se a deixar de ter acesso ao mar, caso o Porto de Odessa fique fora do seu controlo.
Raro é também ver-se em período de “vacas gordas”, leia-se de abundância de água, aprovar-se, após longas sete décadas de espera, um plano para gestão dos recursos hídricos nacionais, denominado Água Que Une.
Quase 300 medidas, com um investimento de cerca de cinco mil milhões, que darão resposta às necessidades hídricas do país para os próximos cem anos. Nos conturbados tempos atuais, realce para o facto de ter sido aprovado sem oposição política. O bom senso, a visão de futuro e a vontade parecem terem-se sobreposto às questiúnculas que raras vezes não contaminam os debates de inúmeros assuntos.
Bom seria que este plano pudesse ser o pontapé de saída para outras reformas estruturais de que o país carece e que definitivamente se ultrapasse o umbiguismo, a visão de curto prazo e a primazia dos ciclos eleitorais. Que este plano possa ser o dealbar da assunção de compromissos a longo prazo.
E raro e estranho é Portugal voltar de forma inesperada às urnas.
A detenção pelo líder do governo de uma empresa de contornos peculiares, precipitou o ato eleitoral de maio próximo.
Creio ser óbvio que qualquer membro do executivo tem direito a ter os seus negócios e as suas empresas. Integrar um governo não deve, nem pode significar a obrigatoriedade de lapidar património ou ficar cerceado dos direitos que assistem ao comum dos cidadãos. Já outra coisa é não prestar todos os detalhes entendidos como necessários para esclarecimento cabal da situação. Quanto a isto, já muito foi dito e redito. Ao que se sabe as obrigações legais foram cumpridas. Resta a questão ética. E esta ficou aquém do desejável. Montenegro decidiu seguir o caminho e a estratégia conhecida e eis-nos chegados à atual situação.
Saturação do eleitorado, mais uns milhões gastos e um cenário que poderá não ser favorável não ao aparecimento de uma hipótese de solução de governabilidade.
Há alguns aspetos que merecem reflexão:
No plano metodológico, está na altura de os dois maiores partidos se entenderem e perceberem que democracia é alternância e de preferência com estabilidade e condições de governabilidade;
do próximo Presidente da República (PR) fazer uso dos poderes que tem e que podem passar pelo convite ao partido mais votado de indicar um novo primeiro-ministro. (Re) Lembremo-nos a propósito da demissão de António Costa, com maioria absoluta e que resultou na dissolução da Assembleia, por entendimento do PR de que as eleições terão sido ganhas por um homem só e não pelo partido que representava;
Pugnando pela coerência de procedimentos, o que faria na hipotética situação de o vencedor do ato eleitoral ser vítima de uma qualquer fatalidade? Teríamos um novo ato eleitoral?
No plano político, estará Luís Montenegro (LM) preocupado com o País ou consigo e com os seus?
Merecia o Governo, ser apanhado por esta trapalhada do seu líder?
Será honesto apresentar uma moção de confiança, quando um ano antes, na noite da assunção da derrota eleitoral, o líder da oposição tinha afirmado que poderia aprovar o programa do Governo, o orçamento de estado, mas nunca uma moção de confiança?
O nome de Mark Carney, seu homólogo do Canadá, e a postura assumida entre cargos públicos e negócios, dirá alguma coisa a LM?
Os ventos da Madeira far-se-ão sentir no Continente? O eleitorado desvalorizará as questionáveis opções e justificações de Montenegro e procurará estabilidade e refúgio onde até há dias se sentia confortável?
Ética, legalidade e moralidade, devem ser compagináveis?
Montenegro parece estar agarrado ao poder, poderá ser penalizado se o escrutínio se centrar na sua confiabilidade, mas admito que possa, ainda assim, vencer as eleições.
Raro, ou talvez não, é o caso Hernâni Dias. Não cumpria os requisitos mínimos para exercer um cargo governativo face às empresas que criou após ter sido empossado, mas continuará a ser o cabeça de lista do PSD, pelo distrito de Bragança. Não serve para secretário de estado, mas tem perfil para deputado? Será este o homem que representará condignamente o estoicismo, a argúcia, a sageza e a tenacidade transmontana? Haja decoro!
Já não tão raro é como é feito o encaixe e posicionamento dos protagonistas políticos.
58 dos atuais 78 deputados do PSD transitarão para as novas listas.
Entre os nomes que ficam de fora contam-se Luís Newton e Carlos Eduardo Reis, envolvidos no processo Tutti-Frutti.
Jorge Paulo Oliveira (JPO) não transita por causa da salada russa na maior concelhia nacional.
O estatuto, bem longe do que se verificava em tempos idos, só permite o 3º lugar à líder concelhia. Já Guimarães tem candidatos nos 2º e 4º lugares.
Famalicão merecia mais e JPO também. No entanto fica resolvida a candidatura à Câmara e ao que consta já há candidato a uma secretaria de estado, em caso de vitória da coligação, agora denominada AD-Aliança Democrática-PSD/CDS.
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