Com a vossa licença, gostaria hoje de me debruçar sobre os pequenos abusos da nossa governação local. Também os há grandes, então não?!, e sobre eles tem o NF versado amiúde, mais amiúde até do que recomenda a saúde da nossa democracia. Mas tem de ser, a isso nos obrigam. Baixássemos nós a guarda e ficava o escrutínio por conta do “Cidade Hoje” e do “Opinião Pública”. Então aí talvez o “é a fartar, vilanagem” ganhasse contornos épicos, e ninguém aqui quer nada disso, não é verdade?
De qualquer forma, descansem: não vai acontecer. Veja-se como anteontem mesmo saiu aqui um artigo sobre o adiamento da promessa de requalificação do estádio municipal. Vale bem a pena ler, está lá tudo: a vaidade, o exibicionismo, a megalomania. Pois ao fim de um ano inteirinho temos o quê? O engasgo de uma hesitação apanhada em falso num momento de desinspiração. Já é azar tanta sorte junta.
Pois eu li o dito artigo e houve um ponto que me fez especial espécie. A SAD dispôs-se a pagar a conta, li bem? Quem vê as sucessivas declarações públicas do CEO Miguel Ribeiro não pode concluir coisa diferente. Então pronto, está o caso resolvido: a SAD constrói o estádio e a câmara não gasta um cêntimo. Há dúvidas?!
É que, se é assim tão simples, porque carga d’água o nosso garboso edil se obstina em não deixar fazer, já que incapaz de fazer tem sido ele? Tanto apetite por alterar o uso dos solos na área circundante ao estádio já começa a ser um bocadinho inconveniente. Quando mais Mário Passos vai pouco à bola, if you know what I mean…
Coisa chata – com a costumeira falta de tacto que o caracteriza –, o NF teve a veleidade de questionar a autarquia sobre os andamentos do processo. Continua à espera da resposta, pois claro. Mas aguardemos. Há sempre uma boa explicação para uma má pergunta.
É que, se é assim tão simples, porque carga d’água o nosso garboso edil se obstina em não deixar fazer, já que incapaz de fazer tem sido ele?
De volta então aos pequenos abusos. A sátira política deve muito aos autarcas. Tenho uma teoria: é o microcosmo. Ou seja, e trocando por miúdos: de tanto andarem à roda uns dos outros, desgastando-se com problemas de lana caprina, acaba-se rapidamente a paciência para pruridos éticos e ala que se faz tarde. O mandato é tão curto que o instinto de sobrevivência sempre fala mais alto. Discorramos sobre alguns exemplos mais recentes.
No princípio do ano ocorreu o sempiterno “Jantar de Reis”. Para quem não saiba, é aquele ansiado momento em que os autarcas do concelho se sentam a uma mesma mesa para discutirem as consumições que lhes atravessam o espírito. Mário Passos faz-nos saber mais, já que o evento é também uma forma de convívio informal depois de um ano de esforçadíssimos trabalhos. Pois certamente.
Gostos não se discutem, mas fica a pergunta: porque é que têm de ser os eleitores a pagar a conta?
O discurso da praxe primou pela elevação institucional, fazendo gala no autoelogio mais descarado. Talvez um certo desvelo pelo prestígio do cargo recomendasse um módico de contenção. Não foi o caso. Talvez o respeito que é devido aos eleitos da oposição que se faziam presentes, e a quem ninguém paga o bastante para ter de levar com estes arrazoados, impusesse o decoro na hora certa. Isso então, menos ainda. E nem espanta que a comezaina rapidamente vire comício: num momento deveras pícaro, um dos nossos presidentes de junta lançou-se em cantorias, e o mote foi o inesperado “nós só queremos o Mário para presidente”. Gostos não se discutem, mas fica a pergunta: porque é que têm de ser os eleitores a pagar a conta?
Tomemos nota que ao senhor presidente da câmara e distintos convidados não lhes repugna que o erário público seja convocado a pagar estes desideratos. A razão é simples: navegam pela administração da coisa pública como faca em manteiga quente. Engulhos nenhuns, e olha lá: acharam-se lá e cumpre-lhes aproveitar. Como se fosse a primeira vez que um político se atira às filhoses mesmo sem ter grande apetite. Agora é só a vez deles.
E a nossa, já que uma vez mais o NF perguntou à câmara municipal em quanto orçou afinal este repasto. Ainda não encontraram vagar para responder, mas tenhamos esperança. A esperança é sempre a última a saber.
O problema é o diabo, que mora nos detalhes.
Quer dizer, já vai sendo normal que o presidente da câmara, que vive na cidade, se faça conduzir pelo motorista na viatura oficial para um jantar de convívio no “Eugénios”? Que o dito motorista fique de plantão longas horas extras enquanto sua excelência não termina o repasto? Quando a solução para não pesar desnecessariamente no orçamento municipal com estas manifestações de soberba é simples, simples: uma é beber menos (sendo o caso). Outra é pedir à esposa para conduzir, já que também participou da efeméride e sendo a distância tão curta. Outra ainda é dar-se ao respeito pelo que diz e faz, e não pelo aparato que vem com a função.
O truque mais velho do mundo para fazer aumentar a visibilidade da página pessoal do presidente e virtual candidato incumbente.
O chato disto tudo é que o aparato da função dá um jeitaço quando tudo o resto falha. Vejam-se as contas das redes sociais da autarquia. Aquilo lá é um fartote de meios. Sabem quantas pessoas trabalham na conta do Facebook da autarquia, com actualizações em tempo real, sete dias por semana? 14 alminhas. Todas pagas pelo erário público, evidentemente. E o que mais fazem elas? Ora, promovem a imagem pessoalíssima do patrão.
Às tantas confundem-se: publicam comunicações oficiais da câmara na página pessoal do cidadão Mário Passos. Não é também; é em vez: publicam comunicações oficiais da câmara na página pessoal do Mário Passos em vez de publicarem na página da câmara. O truque mais velho do mundo para fazer aumentar a visibilidade da página pessoal do presidente e virtual candidato incumbente.
Pois vejam que aqui há dias o nosso edil foi de visita oficial a um jardim de infância em Bente e publicou uma fotografia extremosa com duas crianças que não têm culpa nenhuma de ele lá ter ido. Ele e os fotógrafos oficiais. Fiquei comovido. Espero que ao menos os pais tenham autorizado a publicação.
Logo depois deu-se a inauguração das obras de requalificação do parque infantil no Parque de Sinçães. Pois esta obra de estado mereceu as honras de visita do nosso edil. Pergunto-me quantas horas livres tem na agenda, quando tanto se dedica a estas efemérides.
[as mesmas que manifestamente não tem para responder às perguntas do NF, nem às da oposição em sede de assembleia municipal]
E como é que o sabemos? Porque fez-se publicar, a ele e à nossa presidente de junta de Famalicão e Calendário, com criancinhas ao colo junto aos escorregas. Fiquei ainda mais comovido. Os pais também, quero acreditar.
Outra foi a obra de reabilitação da Escola Secundária Pe Benjamin Salgado, orçada em 20 milhões de euros financiados pelo PRR, e que é o maior investimento de sempre em edifícios do parque escolar concelhio. À semelhança de vários outros assuntos e eventos, os vídeos e as fotografias foram divulgados exclusivamente na página pessoal de Mário Passos. Na página do Município de Famalicão apenas foi divulgado link de notícias. Ou seja, reservam para a página de Mário Passos os conteúdos que atraem mais as pessoas.
Afinal, usar-se o aparato que vem com a função para se promover despudoradamente com recurso a meios públicos nem é o mais chato de tudo. Chato, chato, é haver quem repare nestas coisas.
E quantas almas trabalham na página pessoal do Facebook do presidenciável Mário Passos? Oito almas oito. Serão umas e as mesmas pessoas que trabalham na página do Facebook do município? Não sei. Se calhar não. O mais provável é Mário Passos pagar a estas oito pessoas do próprio bolso.
Outra coisa em que aqui no NF reparamos é que a vereadora Sofia Fernandes andou aí uns tempos proscrita da comunicação oficial da câmara. Mesmo nos eventos sob sua alçada, não aparecia (e onde é que já vimos isto?). Mas bastou publicarmos aqui o desmentido do senhor mandatário distrital à dissensão em curso no PSD-F para tornar a ser persona grata. Como não convinha quebrar o verniz à frente de toda a gente, vejam lá a honra, agora a comunicação institucional da câmara já a distingue novamente com a sua atenção. Não nos agradeças, Sofia: fazemo-lo porque sentimos ser esse o nosso dever.
Já pelo contrário, um que nunca fica fora do enquadramento é o vereador Augusto Lima. Percebe-se que seja o favorito do rei: nos inícios do mês decidiu apadrinhar a apresentação pública da “Famalicão+”, uma “plataforma” digital lançada pela “Estrutura de Missão Famalicão+” que é coordenada, veja-se lá a surpresa, pela própria esposa.
Aqui entre nós, não é uma plataforma, é um site. E ainda não está a funcionar…
Devo dizer que eu, ao contrário de muitos, não estranho nada que tantas esposas de responsáveis camarários trabalhem na câmara também. É meramente uma probabilidade estatística: pois queriam o quê, se a câmara é já o segundo empregador do concelho, com quase dois mil funcionários? E continua a somar…
Quanto à plataforma que afinal é um site e afinal não funciona ainda: o vereador lá foi prestigiar o evento, e o que é que isto poderia ter de estranho? Nada, tirando o facto de a iniciativa estar sob a égide do pelouro de outro vereador. E ele com isso? Pois nada. Era a esposa e ele lá estava a fazer-se presente. Assinou ele os convites e ainda discursou na cerimónia. Tomem lá. Aqui estou eu como se nada fosse, e é que nem vos ouço. A esposa? Feliz. Conclusão: está mais do que preparado para suceder ao actual edil numa próxima oportunidade.
E nós por sinal, comuns eleitores? Vamos bem encomendados, obrigadinho. Nem falo de ética republicana, isso era mesmo desperdiçar chumbos com caça grossa. Mas se um pequeno abuso incomoda muita gente, já dois ou três…
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