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Vila Nova de Famalicão
Sábado, 23 Novembro 2024
Carlos Folhadela Simões
Carlos Folhadela Simões
Formado em Ciências Farmacêuticas, é professor do Ensino Secundário. Cidadão atento e dirigente associativo.

Que seca!

Segundo o Sistema de Informação de Indicadores de Perdas de Água, no nosso município, em 2019, perderam-se, em baixa, 7,3 m3/Km dia, a que equivale uma percentagem de quase 29% de água não faturada. Urge, pois, um incremento na verificação e monitorização da rede de distribuição.

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Carlos Folhadela Simões
Carlos Folhadela Simões
Formado em Ciências Farmacêuticas, é professor do Ensino Secundário. Cidadão atento e dirigente associativo.

Famalicão

Portugal vive uma das maiores secas de que há memória.

De acordo com o índice utilizado pelo IPMA, em final de janeiro o país estava com 53,5% do território com seca moderada e 11,5% com seca extrema. Dever-se-ão conhecer, amanhã, os dados de fevereiro. Como não houve praticamente precipitação, espera-se um agravamento. Estamos, no entanto, ainda aquém dos valores registados em 2005.

Infelizmente, por motivos que a todos preocupam, este assunto foi e é, de momento, remetido para segundo plano, por dois motivos. O primeiro, relacionado com o vergonhoso escândalo da anulação dos votos dos emigrantes. Resolvida essa questão, com o pedido, digno, de desculpas de António Costa e com a marcação de novo ato eleitoral, eis que surge o conflito Rússia – Ucrânia. Como é óbvio, estes não são, como tantas vezes acontece, fatores artificiais para desviar atenções. O último é um problema seriíssimo e que a todos apoquenta. Façamos votos para que termine tão depressa como começou e que a via diplomática consiga impor-se aos argumentos bélicos.

Sem terem ainda sido inventadas “danças da chuva”, resta-nos mesmo esperar pela vontade de S Pedro. Nos próximos quinze dias está prevista alguma pluviosidade, mas com níveis claramente inferiores para a época.

Em 2014, um levantamento classificava uma em quatro das 500 maiores cidades do mundo como estando em water stress. Entre as dez primeiras, contavam-se Tóquio, Nova Deli, Cidade do México, Xangai, Pequim, Calcutá, Karachi, Los Angeles, Rio de Janeiro e Moscovo. Em 2018, lia-se na imprensa internacional: “Day Zero is coming for Cape Town”. Esta expressão “Dia Zero” é utilizada quando a situação de seca numa região é tão grave que as autoridades devem desligar o abastecimento de água. A Cidade do Cabo foi a primeira grande cidade da era moderna a ficar sem água potável. 

Este stress hídrico pode ser causado por fenómenos naturais (seca), fenómenos decorrentes da atividade humana (captação insustentável e degradação da sua qualidade) ou por uma combinação de fatores, como as alterações climáticas.

A UE, no seu relatório de 2021 “Recursos hídricos em toda a Europa – combatendo o stress hídrico: uma avaliação atualizada” preconiza como principais estratégias para gerir o stress hídrico, algumas destas medidas: reduzir o consumo e procura de água (reduzir as perdas no sistema e durante o uso; introduzir medidas económicas; aplicar tecnologias mais eficientes; selecionar produtos que diminuam o consumo); armazenar a água temporariamente durante tempos de abundância de água; aumentar a disponibilidade de água (reutilizar águas residuais; dessalinizar água salobra ou salgada e, em último recurso, desviar água de zonas mais abundantes para outras de evidente carência).

Face a estas orientações, urge reforçar a sensibilização, educação e consciencialização de todos os cidadãos para este problema sério e preocupante.

O Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água à Área Norte do Grande Porto e sobretudo as autarquias que o integram deveriam lançar fortes campanhas de alerta para a situação que vivemos e que será com certeza uma inquietação que nos acompanhará no futuro.

Num interessante artigo da realizadora Teresa Villaverde, na edição de segunda-feira do Público, crianças de 10-11 anos manifestavam a sua preocupação entre outras, com o ambiente e o possível fim da água potável.

Façamos agora uma breve análise micro das questões. Continua a ser um autêntico disparate, quase criminoso, a quantidade de m3 desperdiçados nos ramais de abastecimento. Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, de 2020, Portugal desperdiça o equivalente a nove piscinas olímpicas por hora, nas suas redes de distribuição. Em 2019 foram esbanjados 188 mil milhões de litros de água.

Segundo o Sistema de Informação de Indicadores de Perdas de Água, no nosso município, em 2019, perderam-se, em baixa, 7,3 m3/Km dia, a que equivale uma percentagem de quase 29% de água não faturada. Urge, pois, um incremento na verificação e monitorização da rede de distribuição.

O tratamento de águas é um processo dispendioso. Kala Vairavamoorthy, diretor executivo da International Water Association, contava que o seu pai costumava dizer que “quando se tira água de um rio é como tirar um livro de uma biblioteca, alguém vai utilizá-lo a seguir e por isso queremos deixá-lo no mesmo estado em que o encontrámos.” Todos devemos contribuir para tornar o processo mais simples, eficaz e menos oneroso.

Procuramos alternativas para incrementar o volume de água disponível. Dessalinizar ou aproveitar águas cinzentas poderiam ser soluções. Na primeira, estima-se que o m3 poderia ficar entre 35 a 50 cêntimos a que acresceria o valor para os custos de adução, elevação e distribuição para levar água aos consumidores. Relembre-se que atualmente a tarifa, no 1º escalão (consumo até 5m3), em Famalicão é de 0,71€.

Deve priorizar-se a água para uso pessoal e doméstico. Cerca de 60 a 70% da água consumida por um agregado familiar, é-o em banhos, duches e lavatórios. Estas podem ser consideradas “águas cinzentas” em contraponto com as “negras”, provenientes dos sanitários. Podem ser tratadas localmente de forma a serem reutilizadas em descargas de sanitas, limpezas gerais, rega e até no tratamento de roupas. Estes equipamentos são ainda caros, pouco divulgados e não contemplados por apoios estatais. Há, no entanto, uma coisa que pode e deve ser feita: falar deles às gerações mais novas para se consciencializarem que poderá ser este o futuro. Usar na sanita água que podemos beber não faz sentido!

Na senda das recomendações enunciadas, e no seguimento de uma interessante campanha da ACIF, para incremento do comércio local a propósito do Dia dos Namorados, seria impactante no próximo dia 22 de março, comemorativo do Dia Mundial da Água, a divisão do Ambiente inundar o concelho com mensagens de alerta, reflexão e de poupança de água: consuma mais alimentos sazonais, use caixote do lixo na casa de banho; lave o carro apenas quando necessário; o seu esquentador antigo já só trabalha “no máximo”?: lembre-se de que tem de gastar ainda mais água para arrefecer a água aquecida em excesso; recolha a primeira água do duche e a água utilizada para lavar vegetais e fruta; promova uma agricultura sustentável e mais amiga do ambiente: “a água planta-se”; fechar a torneira enquanto escova os dentes ou lava a loiça; tome duches rápidos; opte por programas de lavagem mais curtos; utilizar redutores de água e autoclismos; entre tantas outras. O cartaz na rotunda dos Rotários, “Não dê Seca ao Futuro! Poupe Água”, é um bom exemplo!

Relembrar à comunidade escolar o gasto de água envolvido em situações do quotidiano: o consumo de um simples café envolve um gasto de 140 litros de água, a produção de uma folha de papel necessita de dez litros de água e a produção de um litro de água engarrafada envolve três litros de água. Há inúmeros produtos, desde os têxteis, aos equipamentos tecnológicos, passando pelos alimentos que consumimos que necessitam de água para a sua produção, pelo que, se reduzirmos o consumo desses produtos, estamos também a reduzir o nosso consumo de água.

Aplicar tecnologia simples ou mais complexa deve também ser incrementada. Um exemplo poderá ser o da ADENE, agência para a energia, que possui projetos interessantes com esse fim. Com o projeto AQUA+, sagrou-se vencedora nacional e finalista europeia na categoria “Apoio à Transição Sustentável” nos Prémios EEPA 2021 (European Enterprise Promotion Awards) da Comissão Europeia, que decorreu nos dias 15 e 16 de novembro na Eslovénia.

Será possível a Câmara Municipal, fixar na fatura mensal o valor que cada um de nós deveria pagar caso o Município dispensasse a água que consumimos ao preço real?

É tudo mau quando não chove no tempo certo, mas também o é quando nos mantemos impávidos e serenos no momento de agir.

Pensemos o que é que cada cidadão poderá fazer para minorar este problema?

Coloque a sua relação com a água como uma das prioridades para 2022.

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Carlos Folhadela Simões
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