Donald Trump regressou à Casa Branca com um plano que promete curar as dores da América. Mas o remédio — tarifas alfandegárias, proteccionismo económico e promessas de reindustrialização — é antigo, amargo e possivelmente ineficaz. A febre social que corrói parte da classe média americana pode não baixar. Pior ainda: pode agravar-se.
O que está verdadeiramente em causa vai muito além das fronteiras dos Estados Unidos. É o modelo de globalização que moldou as últimas décadas que está agora a ser colocado em causa, precisamente por quem mais beneficiou dele. E, perante isso, a Europa não pode continuar a assistir da bancada.
Trump identifica um mal-estar real. A desindustrialização americana deixou cicatrizes profundas em comunidades outrora prósperas, onde fábricas fecharam, empregos desapareceram e o futuro perdeu nitidez. Não foi a China que roubou o emprego americano — foi a tecnologia. Foi a automação que substituiu o operário pelo robô, o funcionário administrativo pelo algoritmo. Mesmo que as fábricas regressem, regressarão com mais máquinas e menos pessoas.
Não foi a China que roubou o emprego americano — foi a tecnologia. Foi a automação que substituiu o operário pelo robô, o funcionário administrativo pelo algoritmo.
Neste contexto, o proteccionismo é mais ideológico do que estratégico. Serve também como ferramenta fiscal: num país com um défice elevado e cortes de impostos prometidos, as tarifas funcionam como uma forma indirecta de financiamento do Estado. E porque os EUA são uma economia de grande escala e relativamente autossuficiente, suportam melhor os impactos de uma guerra comercial — ou, pelo menos, negociam a partir de uma posição de força.
Mas o resto do mundo — e em particular a Europa — não tem esse luxo.
Não se trata apenas de reagir a Trump. Trata-se de decidir o que queremos ser. Se uma periferia económica entre gigantes, ou um centro de gravidade que defende valores próprios: sustentabilidade, coesão social, responsabilidade democrática. Num mundo de muros, a Europa pode — e deve — ser a força que constrói pontes. Mas, para isso, precisa de sair da sua zona de conforto.
Temos as ferramentas — industriais, tecnológicas, diplomáticas — para liderar uma nova fase da globalização, mais justa, mais sustentável e menos vulnerável a impulsos nacionalistas. Mas faltam-nos, muitas vezes, a visão, a coragem política e a unidade.
Porque, no fim, a questão não é o que Trump fará. A verdadeira questão é o que a Europa fará com esta crise. A janela está aberta. Resta saber se teremos coragem para atravessá-la — ou se, mais uma vez, nos limitaremos a observar pela vidraça.
Comentários