Pre scriptum
Não sou daqueles que atira a pedra e depois esconde a mão. Frequente, nos dias que correm, é acusar primeiro e furtar-se a incómodos do que a seguir vier. Não pretendo ser assim: se faço este pre scriptum na vez do proverbial post scriptum, é porque quero dar o mesmo destaque à causa e à consequência. Mas passemos aos factos.
Pois parece que a minha última crónica suscitou indignação junto de alguns dos nossos conterrâneos. Ninguém dos serviços municipais visados, note-se: sei de fonte segura que nas arcadas da câmara acolhem de muito bom grado as minhas críticas construtivas. Também é tudo gente bonacheirona que encaixa a opinião alheia com aquele tipo de desprendimento que só o sentido de missão traz. Não, ao que me refiro são as vozes várias que, segundo julgo ir sabendo, se zangaram muito por ter eu dito (e redito) que os museus sitos no Lago Discount estão quase sempre fechados. Não é verdade, e os seus horários de funcionamento podem ser consultados nos respectivos endereços virtuais: Museu da Guerra Colonial e Museu do Automóvel.
Apresento aqui as minhas sinceras desculpas aos que se sintam lesados.
Ainda assim, e com a vossa licença, gostaria de acrescentar ao caso dois ou três considerandos. Primeiro: não me custa a crer que os responsáveis por estes museus sejam pessoas empenhadas que sacrificam muito do seu conforto pessoal em prol da prossecução de um sonho que aproveita à comunidade. Faça-se-lhes essa justiça.
Segundo: sobre a localização marginal, as instalações degradadas, a falta de meios com que se debatem estas instituições? Julgo-as indesmentíveis. E fazem um contraste chocante com a barragem bem apalavrada da autopromoção camarária. Claro que quem não tem culpa nenhuma disso são os ditos responsáveis. O que lhes dão é tremoço e eles vivem à base de tremoço – que remédio!
Mas seria tão bom se por uma vez na vida nos deixássemos todos de contentar com o tremoço. E quando digo todos, quero dizer mesmo todos. Vejam bem: em tempos idos o município endossou a criação destes museus, certo? Se era para acabarem ali a funcionar a meio gás tinham-lhes dito logo que não, e teria sido mais sério. Assim, não. Um executivo (na verdade, vários) que se comporta desta maneira acintosa, regateando nas ações quando é tão pródigo nas palavras – e não é que lhe falte dinheiro, como se tem visto – apenas merece que lhe façam fila à porta, mas não é para ir à apanha do tremoço: é para lhe entregarem as chaves das instituições.
E siga a marinha. É continuar a fazer amigos.
QUANDO O LOBO VAI À MISSA
Cronistas do mundo: receio informar que o título de crónica do ano esteja já atribuído. Bem sei que o ano ainda caminha para o fim, mas acreditem, não sem alguma inveja o digo, isto está feito. Como diz o outro: é aceitar que doi menos. Pois antes que rasguem as vestes, como quem não quisesse aceitar a crua realidade, digo já porquê. Saiu há um par de semanas n’O Povo Famalicense’ um ‘contributo’ que alcança os píncaros da plenitude nos três parâmetros de avaliação universalmente aceites para o efeito de avaliação de crónicas. E porque é que digo que o título está decidido? Ora, porque, hoje por hoje, de tão perfeita nas suas virtudes, essa crónica é já virtualmente inultrapassável.
Aproveito para esclarecer sobre os três parâmetros de avaliação. São eles: o virtuosismo literário, a pertinência temática e o sentido de oportunidade.
Deixarei de parte o virtuosismo literário. Dizer apenas que o próprio Camilo rejubilaria na tumba por encontrar, no concelho que também foi o seu, escribas de tão refinado quilate.
Quanto à pertinência temática, pois vejam como era logo à partida insuperável. O estádio da bola. Digam lá se há assunto mais formidavelmente fantasmagruélico do que este? Não digam, não vale a pena: não há! Em Famalicão como no país inteiro, se os artistas da bola vão a jogo pára logo tudo. E com razão: devemos-lhe muito, nunca será de mais dizê-lo.
Outrossim, convirá ressaltar a força da narrativa empregue pelo cronista. Não obstante isto: não percebe nada de futebol. Di-lo ele, e eu acredito! O que não o impede de anunciar ao mundo: temos um problema! O estádio da bola? Não serve, precisa de obras. Muitas e caras. Ficamos logo avisados para o que dali virá.
E não pensem que se deixava ficar por meras conjeturas. Não! O homem pede o recibo e ainda manda vir o troco. Ora vejam lá o que aquele espírito livre engendrou: o estádio que existe dentro da cidade rebenta pelas costuras? Faça-se um novo! Mas onde? Fora da cidade, claro: nuns terrenos que ele conhece. Ah sim, conhece? E que terrenos são esses? Eh, pá, uns terrenos que um tipo qualquer desatou a comprar há bem pouco tempo: por tuta e meia, diga-se. Bom para ele! Mas por tuta e meia, dizes? Que milagre é esse aos dias que correm? Milagre nenhum. É que os terrenos estão inseridos na zona da reserva agrícola nacional. Ah, bom! Mas sendo assim para que é que os comprou, mesmo que por tuta e meia? Querem lá ver que cria vaquinhas e precisava de reservar terreno de pasto? Nada disso, nada disso: o que ele queria mesmo era construir lá um parque industrial…
Ok, a ver se percebo: comprou uns terrenos inseridos na reserva agrícola nacional e queria lá construir um parque industrial… não parece lá muito esperto. Calma, amigo: o que é preciso é muita calma nesta hora. Fique sabendo que, entretanto, o executivo camarário conferiu ao projecto o estatuto de interesse público municipal. Conferiu, foi? E nós com isso? Nós com isso, sabichão: assim já podia construir na reserva agrícola.
Sério? Então afinal o tipo não é burro nenhum. Muito pelo contrário, tem qualquer coisa de adivinho, não é verdade? Ou de estratega. De visionário, até. Filme em cartaz: ‘Elon Musk meets Belmiro de Azevedo’. Enfim, terá lá ele todas as boas qualidades que distinguem um empreendedor de sucesso. Em Portugal, pelo menos. Ditosa pátria que tais filhos tem.
Pois é, pois é. Estava tudo muito bem encaminhado, mas complicou-se. Complicou-se, não; complicaram-no! Não sei se está bem a ver, a meia-dúzia de agitadores que o nosso presidente da câmara tão avisadamente e a seu tempo denunciou. Deveras? E o que é que eles fizeram? Agitaram, pois claro. É só mesmo o que sabem fazer, agitar. Mas tanto agitaram, tanto agitaram, que o caldo entornou. Que é como quem diz: borregou o projecto de parque industrial até melhor oportunidade. Pois afinal carecia ainda de uma última licença da Agência Nacional do Ambiente e esta… dizer o quê?, acovardou-se!
Claro que a angústia do futuro ensombra sempre as certezas do presente. Os vencedores de hoje serão os perdedores de amanhã, já cantava o Dylan nos idos de sessenta (por acaso era mais ao contrário). E continua a ser verdade.
Tanto é assim que a revisão do Plano Director Municipal avançou a pleno vapor. Verão adentro, por sinal: é sabido que, com o tempo quente, o comum dos cidadãos se deixa contagiar mais e mais pelas vicissitudes do ordenamento do território. Prova disso, quantos não abdicam de férias só para se poderem dedicar a estas temáticas mobilizadoras? Muitos, certamente. Sabendo disso, a câmara municipal logo tratou de reservar os meses de Agosto e Setembro para o período de discussão pública. Cumpre-nos agradecer.
E portanto, estamos num tempo em que já se acabou a discussão publica. Quem falou, falou. Segue-se a análise das propostas submetidas, e daqui para a frente veremos no que param as modas. Pode muito bem ser que para aqueles terrenos em particular caia a dita reserva agrícola em prol do florescimento industrial do concelho.
E aqui entra o critério do sentido de oportunidade. Pois quando é que sai a dissertação do nosso colega cronista sobre esta tão incontornável questão? Adivinharam: no último dia do período de discussão pública da revisão do Plano Director Municipal.
É quiçá a força que vem de se ter a última palavra. Consistiu neste belo negócio: que tal a câmara comprar os terrenos da reserva agrícola ao tipo qualquer para construir lá o novo estádio? Espera lá, mas constrói-se um estádio em terrenos de reserva agrícola nacional? Detalhes. Lá porque não se pode construir um parque industrial…
E com que dinheiro se constrói o estádio? O cronista, a despeito de não perceber nada de bola, dá uns toques na matemática, e vai daí fez umas contas que quer por força partilhar connosco. Diz ele: o que há a fazer é mandar abaixo o estádio actual e substituí-lo por um amontoado de prédios, e com a pipa de massa que isso der já se paga o estádio novo. Pena ser fora da cidade, essa é que é essa… Mas mesmo quanto a isso, já traz tudo pensado: primeiro far-se-ia uma via de acesso a ligar o estádio ao centro da cidade. Fácil, fácil. E acrescento eu, é pôr as pessoas a caminhar a caminho da jogatana. E de regresso à cidade, já agora. O exercício físico deve ser estimulado, ponto final parágrafo. Quase um favor que se lhes faz.
Brilhante, ah? Raparem como ganhamos todos: o centro da cidade ganha mais uns prédios; o fêcêfê ganha um estádio novo e passa a pagar a justa renda que publicamente se disponibilizou a pagar; a câmara não gasta nada e ainda ganha a renda que passará a cobrar ao fêcêfê; os adeptos esticam as pernas em dias de jogo e passam a ver a bola sem apanhar com chuva na mona; e por fim, até o tipo qualquer ganhará qualquer coisita, estou em crer.
Estou em crer, mas se calhar até não. Se calhar o tipo qualquer não ganha nada com isto. Até porque o cronista não percebe nada de bola.
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