“O trigo e o joio” é o título de um livro de pensamento político publicado por François Mitterrand nos anos setenta do século passado, quando ainda caminhava para ser presidente de França. É também uma expressão popular, daquelas que toda a gente entende o significado. Em política, separar o trigo do joio é a medida da nossa salubridade pública, e ao menos essa prorrogativa não nos tiraram ainda. Façamos bom uso dela, pois então.
Lembrei-me disto a propósito das próximas eleições autárquicas. Faltam 9 meses: os dados começam a ser lançados. Alguns partidos já têm candidato, e já lá iremos. Outros nem tanto, mas valha a verdade começam já a dar mostras do que valem.
O Chega-F, por exemplo: organizou um desfile motard de Pais Natais. Parecendo que não, há ali todo um pensamento estruturado sobre o que propõem para a gestão do município. De uma assentada, percebe-se a prioridade a dar a temas como a mobilidade urbana, o pendor pelas festividades pagãs e a solidariedade social. Estão de parabéns, com toda a certeza arregimentaram uma fatia considerável de votantes, e não é para menos: a dinâmica de propostas impressiona.
Já o PC-F votou contra o voto de protesto da assembleia municipal acerca do bombardeamento russo da embaixada de Portugal em Kiev: não fôssemos nós esquecermo-nos de que o opróbrio é uma realidade plástica, sempre em constante mutação. Também estão de parabéns, e com toda a certeza arregimentaram mais uma porção de votos considerável, e como não? O rasgo impressiona e o PC-F já está para lá de roto.
Do BE, dizer que deu um ar da sua graça aquando da polémica em torno da requalificação do estádio municipal – parece que foi há tanto tempo, não é? Tantas são as coisas que acontecem em Famalicão. Mas é só. Dão-se alvíssaras a quem souber do paradeiro.
Depois temos o PAN-F e a IL-F, e preciso dizer que jogam noutro campeonato. Do PAN-F, sugiro que se dedique algum tempo a ler a proposta de alteração ao regulamento do Plano Director Municipal que está processo em revisão. Não é um trabalho de improviso, concorde-se ou não (eu concordo com quase tudo). É serviço público feito por quem mais deve, e são os partidos políticos. Mas, que eu saiba, foi o único: faz ver a outros, que gostam de passar por líderes de oposição.
Quanto à IL-F, sou insuspeito de simpatias pelo ideário, mas a pacatez da nossa vida cívica não seria a mesma sem eles, isso é certo. Sempre muito assertivos sobre casos concretos, interpelam em latitude e, quando assim é, toca a todos, não é verdade? A quem exerce o poder, pois claro, mas não apenas.
Pois parece que muito boa gente rasgou as vestes de ver a IL-F criticar uma proposta do PS-F, como se o estatuto de oposição lhes concedesse imunidade à crítica. Era bom, era. Mas não é esse o concelho em que queremos viver, meninos.
Vejam lá que o PS-F, regressado das profundezas da sua letargia de quatro longos anos, soprou, soprou, e sobrou, até que finalmente a casa veio abaixo. É esta a proposta: deve a câmara dar 1.000 euros a cada bebé nascido no nosso concelho, e metade do valor terá de ser obrigatoriamente gasto no nosso comércio local.
A mim o que me deixou logo esmagado foi o aturado sentido de oportunidade. Repare-se que ainda há um par de semanas foi aprovado o orçamento municipal para 2025. Esperar-se-ia que o PS-F o escrutinasse de fio a pavio. Que marcasse o terreno com críticas construtivas e um rol de propostas alternativas. Mas não: votou contra (lá isso) e fez saber um não sei quê de futuros adiados e oportunidades perdidas. De concreto, nada. O vazio do costume.
[Eu cá retive o presidente Mário Passos a vangloriar-se de que vai baixar a taxa do IMI de 0,34% para … 0,335%! Pois é isso, ainda por cima gozam…]
Já o PS-F não se incomoda nada com provocações lançadas ao cidadão contribuinte. E de volta atira-lhes com estas abébias: vamos então premiar o nascimento de bebés. Eu pergunto, acaso é um imperativo do nosso concelho, quer dizer, mais do que tantos outros? É que se é para dar dinheiro, porque não aos bombeiros? E quem diz aos bombeiros… aos polícias, aos cuidadores informais, aos fiscais de obra, eu lá sei. Aos cantoneiros! Que se saiba, há uma falta gritante de cantoneiros porque ninguém aos dias de hoje quer ir para cantoneiro, e então aí talvez os 1.000 Eur ajudassem à causa…
Temo que o que aqui falta em discernimento sobre em paternalismo. O PS-F acha mesmo que os jovens do nosso tempo vão desatar a ter (mais) filhos porque a câmara lhes passa 1.000 Eur para a mão? Já sei que ninguém, seja rico, pobre ou remediado, virará a cara a uma oferta tão desinteressada. Mas façam antes assim: enfiem-se pela rua e vão perguntando a uns quantos rapazes e raparigas em idade propícia por que razão não têm (mais) filhos! Se algum lhes responder que 1.000 euros já resolviam o assunto, então já estou como o outro: faço descansar o meu caso.
Depois há o pesadelo logístico. Que estabelecimentos é que qualificariam para “comércio local”? O “Continente” qualifica, ou pretendem impor um módico de facturação? Qual? E vão restringir as finalidades ou vamos ter bebés a pagar consertos de oficinais automóveis e ecrãs plasma? (mas esses comerciantes não merecem apoio como os outros?) E aquelas lojas locais, que também as há, que ganham muito dinheiro, qualificam? No que me toca, se puderem evitar dar dinheiro público a quem é mais rico do que eu, agradecia.
Bem sei o desamor que o PS tem pelos nossos impostos, e a ideia que fica é que nem sequer fizeram as contas assisadamente – note-se que, se a medida estivesse em vigor em 2024, a despesa facilmente crescia ao milhão de euros. Umas segundas Antoninas, portanto: é mesmo do que estamos a precisar.
Isto só não é o degrau zero da política porque existe o Mário, e o Mário – isto está provado cientificamente – é que é o degrau zero da política.
Outra ideia que fica é que o PS-F quer muito cativar o voto de franjas específicas do eleitorado à custa de borlas no orçamento. Nada de novo, a coligação no poder faz o mesmo. Problema: estão bem uns para os outros. Dá que pensar a um eleitor mais escrupuloso, não é verdade? Tomem lá a definição mais comum de populismo: propor soluções fáceis para problemas complexos. Seguido da segunda definição mais comum de populismo: atirar dinheiro para cima dos problemas. Nos saudosos anos 90, o major valentão oferecia eletrodomésticos para votarem nele e o PS criticava-o por isso. Não vejo grande diferença agora.
Difícil é estruturar um programa estratégico que suporte uma visão para o concelho. Não são palavras vazias: é só pensar nos assuntos e ter a coragem de dizer sim a umas coisas e não a outras coisas. Donde resulta um caderno de encargos que se deve sufragar ao eleitorado. Donde resulta um compromisso público e facilmente escrutinável. Mas o PS-F foge de dizer não a quem quer que seja.
Pois eu digo: devemos denunciar este caldo de cultura em que políticos de carreira se autorizam a tratar com desleixo a mole de eleitores a quem devem satisfações. Até hoje, o Sr. Eduardo Oliveira não diz ao que vem, excetuando que quer fazer ‘política de proximidade’. Não há paciência. Isto só não é o degrau zero da política porque existe o Mário, e o Mário – isto está provado cientificamente – é que é o degrau zero da política.
Não sei onde é que o PS-F foi buscar esta ideia de que traz garantido o beneplácito de todos quantos se opõem ao status quo só porque o Passos é mau. Está bem, o Passos é mau: está até para lá de mau. Nos próximos meses vai continuar a usar a consagrada estratégia dos medíocres, que é promover-se despudoradamente à custa do erário público. Por mim tudo bem: quanto mais o Mário aparece, mais ajuda à causa de se ver removido do poleiro.
Mas convirá não nos tomarem por garantidos. Para quem tenha boa memória, lembro que o Sr. Eduardo Oliveira já foi o candidato do PS-F nas últimas eleições autárquicas. Apelo à memória porque não deixou marca nenhuma; a campanha foi frouxa e o resultado o que se sabe.
Nos três anos seguintes acumulou o cargo de deputado com o de cargo de vereador. Resultado: não sei se foi um bom deputado (alguém sabe?), mas enquanto vereador podemos pôr as coisas nestes termos: Famalicão não lhe ficou a dever nada. Pode ser que o país…
Convirá também lembrar as muitas lutas desiguais encetadas por cidadãos anónimos e associações cívicas contra o poder estabelecido na câmara. A todas essas, uma coisa tinham por certa: com o PS-F não se podia contar.
Sobre isso: talvez o PS-F pense que é pela vacuidade que ganhará as próximas eleições em Famalicão. Com magustos vários e o comício-festa do próximo dia 11 adornado com a presença do secretário-geral do partido. Sabemos bem o que nos vem cá dizer: que os candidatos do PS são os mais bem preparados de todos. Mas não nos iludamos, para o Sr. Pedro Nuno Santos, Famalicão é um ponto no mapa: não tem ideia nenhuma do que aqui se passa. Interessa-lhe a espuma do dia que passará no telejornal mais à noite. E segue adiante, rumo ao comício seguinte.
Tudo isto se torna mais revoltante porque esta maioria está madura para ser colhida, e é ver o favor que lhe fazem. Receio até que tenham o mesmo deslumbramento lorpa da coligação quando postos diante dos arautos de fé do nosso tempo.
Por exemplo: ainda hoje não sabemos se o PS-F é a favor do pavilhão do Centi nas “hortas” ou não. Calhava bem agora, visto que o actual executivo acaba de anunciar um segundo pavilhão para o mesmo sítio. É uma excelente questão para se distinguir o trigo do joio. Deixo a pergunta:
- O PS-F é a favor da construção anunciada de um segundo pavilhão do Centi no “terreno das hortas” contíguo ao Parque da Cidade?
Por obséquio, esclarecem-nos? Já em janeiro, se não for pedir muito. Quando tal, sempre fica mais tempo para se organizar uma candidatura independente.
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