“Se não souberes para onde ir, qualquer caminho serve.”
Lewis Carroll – Alice no país das maravilhas
“Adolescência”, série da Netflix, escancarou a porta sobre uma discussão, ainda tímida em Portugal: o impacto das redes sociais, e subliminarmente os jogos online, nos nossos comportamentos e na nossa saúde mental, a manosfera ou machosfera, a parentalidade nos nossos dias, entre outros tópicos mais ou menos subtilmente introduzidos na narrativa. Tudo isso à volta da história de um jovem de 13 anos.
Uns meses antes, li “A Geração Ansiosa”, de Jonathan Haidt, onde se faz uma análise mais alargada deste tema, detalhando os diferentes impactos do uso do smartphone nas crianças e jovens, em função do género, e como este influencia de forma diferente cada um destes grupos.
O motivo pelo qual chegamos aqui é, obviamente, o facto de a internet passar a ser portável, cabendo na palma da nossa mão.
No entanto, para Jonathan Haidt, a alteração do nosso comportamento tem causas mais profundas. O isolamento e a desagregação do tecido social foram o substrato que empurrou os mais novos para um mundo limitado às margens dos écrans dos computadores e telemóveis.
Assim, para perceber como aqui chegamos, o autor vai às décadas de 1980 e 1990, para encontrar a razão pela qual “os pais dos países anglófonos [população estudada pelo autor] tornaram-se mais receosos”. Identificando um conjunto de razões, destaca as mudanças ocorridas “no ecossistema mediático e os seus ciclos noticiosos”, que fizeram perder a confiança uns nos outros. Assim, as crianças começaram a ser vigiadas pelos pais durante muito mais tempo, assumindo uma parentalidade “muito mais defensiva, vendo riscos e ameaças em tudo e todos”.
Para reverter este processo, são avançadas uma série de frentes de trabalho. Para esta crónica interessa-me pegar naquilo que o autor descreve como o que “os governos podem fazer para incentivar uma maior (e melhor) experiência do mundo”. Entendo aqui governo no sentido lato, ou seja, incluindo o poder local (câmaras e juntas).
Para alterar o estado da coisa, são listados os seguintes tópicos:
- Parem de castigar os pais por darem aos filhos liberdade no mundo real;
- Encorajar mais atividades lúdicas nas escolas;
- Planear o espaço público a pensar nas crianças, tendo em conta:
- Um mundo concebido para os automóveis não costuma ser um mundo que as crianças acham acessível;
- Ter bons passeios, passadeiras e sinais de trânsito;
- Implementar medidas para controlar o trânsito e planear a cidade de modo a permitir mais projetos de utilização mista (zonas de coexistência, com prioridade para o peão);
- Quando os estabelecimentos comerciais, recreativos e residenciais estão mais integrados, há mais atividades na rua e mais locais onde as crianças podem chegar a pé ou de bicicleta;
- O fecho das ruas em frente das escolas durante uma hora antes e depois das aulas;
- Na era de declínio de vida comunitária e crescente solidão, as cidades e vilas deveriam facilitar o fecho de ruas para festas de bairro ou outros fins sociais, incluindo zonas de diversão (para as crianças);
- Mais ensino vocacional, estágios e programas de desenvolvimento de jovens.
No dia 7 de Abril, o Sr. Presidente da Câmara, acompanhado pelo Sr. da DST (dono da empreitada) e do séquito de presidentes de junta, foi oficialmente dar conta do fim da obra na Av. Eng. Pinheiro Braga (junto ao Tribunal). Ora, Mário Passos pareceu-me muito satisfeito com a “obra”, repetindo ideias como: temos “mais estradas”, construímos uma “verdadeira rede viária” ou criamos uma “malha rodoviária”.
É evidente que o desenvolvimento do concelho e da cidade não têm um plano, uma ideia de futuro. As coisas vão acontecendo… avulso, ao sabor dos grupos de interesses ou de quem levanta mais a voz.
Depois disso o Sr. Presidente da Junta de Gavião fez a sua manifestação de vontade, uma nova estrada entre a escola D.ª Maria II e a EN 206 (Famalicão – Guimarães) e mais uma rua que ligará a rua 20 de Junho à Av. Eng.º Pinheiro Braga.


Que lindo! Este é um conceito que estava muito na moda nos anos 70, encharcar a cidade de carros. Embora um pouco retro para os nossos dias…

Em Barcelona fecham os quarteirões aos carros, em Paris devolve-se as ruas às pessoas, em Copenhaga anda-se de bicicleta e nós por cá construímos uma “verdadeira rede viária”, com o sonho de abrir uma nova variante entre a estrada de Guimarães e a estrada de Braga e note-se, a passar mesmo em frente da escola. Vinho velho, mas com sabor a rolha.


Depois disto, revisitemos o ponto 3 da lista acima: Planear o espaço público a pensar nas crianças.
É evidente que o desenvolvimento do concelho e da cidade não têm um plano, uma ideia de futuro. As coisas vão acontecendo… avulso, ao sabor dos grupos de interesses ou de quem levanta mais a voz.
O centro da cidade quer-se com poucos (ou sem) carros, mas abrimos novas estradas para trazer mais carros para o centro da cidade. O concelho quer-se mais verde, mas o caos urbanístico é alimentado ao sabor dos interesses do imobiliário, veja-se a Assembleia Municipal de 21 de Fevereiro quando Mário Passos expressa a sua felicidade pela aprovação da nova lei dos solos. A zona desportiva da cidade é trocada por uns prédios com um estádio lá dentro [ver vídeo a partir de 1h17].
Propositadamente, deixo ao leitor a liberdade de acrescentar outras incoerências a esta lista. São muitas mais.
Estou consciente que alargar este modelo, alterando as prioridades, é muito complicado. Provavelmente, em muitas situações teremos de transigir e ceder aos interesses instalados. Mas citando um provérbio grego, com várias variantes, uma grande caminhada começa sempre com o primeiro passo. E isso, é sempre muito melhor do que correr em círculo, sem sair do sítio e sem horizonte.
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