Ao comprar o bolo-rei para este Natal, numa rede de padarias de Vila Nova de Famalicão, por sinal muito frequentada, reparei num caso curioso: a maioria das funcionárias que trabalhavam ao balcão eram estrangeiras.
Com efeito, das três jovens funcionárias que se agitavam atrás do balcão para que todos os clientes ficassem bem servidos, duas delas eram cidadãs de origem brasileira.
Sendo o Natal a festa do nascimento, este facto pareceu-me um bom mote para me debruçar nesta crónica sobre a natalidade em Portugal.
Infelizmente, os dados oficiais são muito preocupantes. Portugal é hoje uma das sociedades mais envelhecidas do mundo. E ainda vai ficar pior.
Segundo as últimas projeções demográficas, em 2050, quase metade da população portuguesa terá mais de 60 anos.
E em 2053, quando se prevê que a população mundial ultrapasse os 10 mil milhões de pessoas, Portugal terá menos 1,2 milhões de pessoas do que tem hoje, ou seja, estará de novo abaixo dos 10 milhões de habitantes.
Isso acontece porque são mais os portugueses que morrem do que os que nascem. Não porque passassem a morrer mais (o número de mortes anuais mantém-se estável há praticamente 30 anos), mas porque nascem cada vez menos bebés. Concretamente, nos últimos anos morreram um pouco acima de 100 mil pessoas por ano e nasceram um pouco abaixo de 100 mil bebés.
Ao contrário do que diz André Ventura, Portugal precisa de acolher muitos cidadãos estrangeiros. E precisa de todos.
Esta coluna não é o espaço adequado para escalpelizar as causas da quebra da natalidade. Vou apenas lembrar as duas cidadãs brasileiras que estavam a trabalhar ao balcão da padaria famalicense para dizer que as políticas públicas do Governo português deveriam olhar com muito mais atenção para a população estrangeira que nos últimos anos tem escolhido Portugal para trabalhar e viver.
Na sua maior parte são brasileiros – a maior comunidade estrangeira no nosso país, com mais de 150 mil habitantes legalizados – mas também ingleses, ucranianos ou romenos – com cerca de 30 mil residentes legalizados por cada uma destas nacionalidades.
Muitos destes imigrantes, grande parte deles a iniciar a vida no mercado de trabalho e em idade fértil, estão a repovoar cidades e vilas de todo o país.
A nova vaga de imigração brasileira trouxe famílias inteiras dispostas a investir todas as suas economias em pequenos negócios.
Estes não são os brasileiros ricos dos vistos “gold”, mas os brasileiros de uma classe média que quer segurança pública para poder viver em paz e trabalhar para pagar as contas da família.
Há ainda outro tipo de imigrantes: aqueles que escolhem Portugal para estudar, vindos do Brasil, mas também de países africanos de língua portuguesa e de outras latitudes. É uma nova realidade, que floresceu a partir do momento em que as escolas superiores portuguesas se abriram ao mundo para sobreviver.
Também por aí a população portuguesa pode crescer. Porque os jovens estudantes estrangeiros trazem novas ideias, novos conhecimentos, novas experiências e muitos deles acabam por se fixar no país.
Basta conhecer as mudanças que aconteceram em cidades do interior como Bragança ou Covilhã para ter uma noção daquilo que Portugal pode aproveitar.
O Governo português tem sido exemplar no apoio aos cidadãos estrangeiros, como se viu durante esta pandemia. Isto apesar das dificuldades, não só económicas, por falta de recursos do país, mas também de natureza política, nomeadamente pela difusão das ideias xenófobas de agremiações políticas como o Chega, de inspiração neofascista.
A verdade é que, ao contrário do que diz André Ventura, e do que difundem os seus apaniguados, Portugal, para equilibrar a sua situação demográfica, precisa de receber muitos cidadãos estrangeiros. E precisa de todos.
Portugal precisa dos ricos, que aqui podem investir, como precisa dos cérebros, que aqui podem partilhar o seu saber, qualificando as nossas empresas e instituições, como precisa dos empreendedores, que aqui criam novos negócios, ou precisa de mão de obra braçal, para fazer o trabalho essencial, e geralmente mal pago, que os portugueses têm vergonha de fazer.
A comunidade estrangeira precisa, por isso, de ser bem recebida e acarinhada. Como os portugueses que emigraram ao longo dos tempos também precisaram nos países que escolheram para viver e trabalhar.
Portugal precisa de aproveitar o facto de ser um país que está na moda internacional como destino turístico, para dizer ao mundo que também é um país bom para viver e trabalhar.
São mais os portugueses que morrem do que os que nascem. Não porque passassem a morrer mais (o número de mortes anuais é estável há 30 anos), mas porque nascem cada vez menos bebés.
Ao Governo português pede-se uma verdadeira estratégia demográfica para o país, promovendo incentivos à natalidade dos portugueses e criando condições de atratividade para as jovens famílias estrangeiras que escolhem Portugal para retomar a sua vida.
O repovoamento do interior e de outras zonas do país passa pelo nascimento de mais bebés e pela fixação de famílias vindas do exterior. Mas só com mais famílias em idade fértil é que poderemos ter mais bebés. E a fixação de jovens estrangeiros poderá ser extremamente útil nesse processo.
Infelizmente, em vez de termos no espaço mediático um debate sobre o que fazer para aumentar a população e acolher aqueles que escolhem integrar a sociedade portuguesa, contribuindo com o seu trabalho e os seus impostos para a vida de todos nós, estamos antes a lamentar o assassinato de um cidadão ucraniano, às mãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no Aeroporto de Lisboa.
Curiosamente, um cidadão que viajou de Kiev para Lisboa com o objetivo de confirmar uma hipótese de trabalho e que foi tratado pior do que um criminoso. O que nos vale é que tudo indica ter-se tratado de um caso isolado.
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