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Vila Nova de Famalicão
Sexta-feira, 3 Janeiro 2025
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.

O cachimbo do Magritte e a tirada do filósofo grego

Escusado seria dizer que as adjudicações de publicidade institucional da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão aos órgãos de comunicação social local são direccionadas para favorecerem uns e excluírem outros.

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Paulo Barros
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Economista famalicense.

Famalicão

Chama-se Arcindo Guimarães. É, por assim dizer, o gerente do “Opinião Pública”. Fez esta coisa elegante: reservar-se meia página do próprio jornal para desancar num cronista da casa. Que, por acaso, estava ali mesmo ao lado, na crónica onde costuma desfiar as inquietações a que julgava ter direito. Não tem, e ao menos isso ficou a saber. Também era preciso andar distraído.

Tudo porque foi de dizer que a imprensa local não é suficientemente independente dos poderes públicos, para o que lhe havia de dar. O tom, como sempre, é de uma impecável urbanidade e o assunto não prometia polémicas: fazia-se ali a resenha histórica dos jornais de Famalicão. Fechava com um lamento sobre as dificuldades que a imprensa local tem para pagar as contas, e até aí tudo bem. O erro crasso foi tentar a piscadela de olho que puxava o outro para a causa comum, ou assim julgava ele. Debalde. Esbarrou com o pragmatismo a que os gerentes de casas de sucesso e independentes têm de ter em todos os momentos, isto pelo menos se quiserem continuar a ser gerentes de casas de sucesso.

Suspeito é de que não esperasse este tipo de “apoio institucional”. O Arcindo, está visto, ferve em pouca água. Lá nisso, ferve em pouquíssima água. Eu cá acho que o topo: é uma daquelas pessoas que não admite. Tenham paciência, mas não admite. E rapidamente vira fera: depois não se queixem de que queira matar borboletas a tiros de canhão.

Faz isso porque pode, certamente, também já por isso é ele o gerente. E para quem não goste, presume-se que a porta dos fundos seja a serventia da casa. Mas vejam lá a minha sorte: eu não escrevo no “Opinião Pública”. Ofereceram-se-me dois ou três apontamentos sobre o caso e já agora aqui vai disto, na esperança de que a senhora directora aqui do “Notícias” não me venha a responder mais à frente.

Em primeiro lugar, o caricato é que na ocasião nós é que fomos sumariamente justiçados. Por nós entenda-se o “Notícias de Famalicão”. Pois parece, para quem tenha lido a dita crónica (relembro que o tema era a resenha histórica dos jornais de Famalicão), que este que aqui se apresenta diante dos vossos olhos existiu por muitos e bons anos, mas agora já não. Fomos alvo do que se poderá chamar um candidocelamento. Pois para aqui ficamos nós então, mortos, extintos, inapelavelmente terminados. Kaput. É o éramos.

Estranhamos, claro: e, acto contínuo, fomos verificar, perguntar e controlar em causa própria. Saídos disso, o que nos cumpre informar, a quem quer que seja que se possa interessar por nós, é que estamos vivinhos da silva e respirando saúde. Alive and kicking, já dizia o Jim Kerr (e o que eu andei para enfiar esta perola numa crónica).

Ficou a mágoa, é verdade, mas a estas coisas há que saber levá-las de ânimo leve. Por isto e só por isto: levar as coisas de ânimo leve dispõe-nos bem com a vida. E é sabido que uma vida bem-disposta tende a ser mais longa. E uma vida longa e bem-disposta é que todos nós queremos, não é verdade? Tudo vantagens.

Enfim, foi mais pela surpresa: porque, não vai há muito, o próprio deu à estampa nesta virtual página a sua “Carta Aberta a Mário Passos”. Esperar-se-ia memória mais apurada, mas é tudo. E obrigadinho pela parte que nos toca.

[mas falando nisso… eu bem estranhei que a dita “carta” não tivesse saído no “Opinião Pública” onde o cronista tem espaço reservado… agora pergunto-me: propôs-lhes a publicação? Recusaram-se a publicar? É como dizia a outra, mistério…]

O que nos traz de volta ao assunto. Começo por dizer que eu raramente leio o “Opinião Pública”. O motivo é singelo: na minha modestíssima opinião, não se aprende nada ali que não se possa tirar de um folheto promocional. Quer dizer: tem muitas cores, tem muitas páginas, tem encartáveis com fartura e uma predilecção por temas anódinos. A estratégia é a de encher o olho ao pagode, e dá para perceber – pela satisfação que o Arcindo dá de si no texto que nos ofereceu – que têm muito orgulho nisso.

Investigação é que não tem nenhuma. Inquirição aos poderes públicos muito pouca. Ou seja: é uma publicação indolor que cobre a agenda comunicacional do executivo camarário com um labor burocrático. As grandes questões que atravessam a gestão do nosso interesse público não entram ali. Por manifesta falta de espaço, só pode. O que é uma pena.

Se eu acho que o “Opinião Pública” é pior do que outros? Não acho. Mas vai uma distância para quando temos um dos seus responsáveis a clamar publicamente que é um farol de pluralismo. E só por isso, porque dá voz a uns arremedos da oposição e acomoda alguns cronistas que julga um tanto ou quanto desalinhados das máquinas partidárias, já se acha no direito de nos cobrar pelo favor.

Talvez devesse ser mais ao contrário. Sermos nós, cidadãos, a cobrar à comunicação social pelo exercício do dever de escrutínio? É que, não lhe sendo exclusivo, nem por isso deve eximir-se desse dever. De contrário, ficamos servidos com jornais, rádios e canais de televisão que debitam acriticamente o que lhes dão de comer à boca.

É que o Arcindo não é só pouco dado a encarar as coisas de ânimo leve. Também é bastante vesgo das ideias [do dicionário: “estrábico, aquele que vê coisas de forma oblíqua”, favor levar em sentido figurado].

Senão, veja-se: indigna-se com o cronista, mas já não se indigna, que se saiba nunca se indignou, com outras tantas coisas simples e incontornáveis, dir-se-iam difíceis de passarem despercebidas: terraplanar uma das vertentes do monte de Santa Catarina para aí instalar uma central fotovoltaica é um exemplo. O “Opinião Pública” acha bem, acha mal? Ninguém sabe.

Houve até uma petição pública para criar ali um parque florestal protegido que reuniu mais de um milhar de assinaturas. Em sede de assembleia municipal, a maioria que sustenta a vereação reprovou a medida. O “Opinião Pública” cuidou de saber os motivos para tal? Que se saiba, não.

A construção de um pavilhão industrial dentro do Parque da Cidade? Não.

A atribuição do estatuto de interesse público municipal a um projecto de parque industrial promovido por um apaniguado político, localizado na reserva ecológica nacional? Não.

A escolha de familiares de responsáveis políticos num concurso público em que os restantes concorrentes foram todos desistindo pelo caminho? Não.

E já agora, as obras de requalificação da avenida na saída norte da cidade, defronte ao tribunal, que se arrastam há quase dois anos? Vou repetir: há quase dois anos que incomodam os cidadãos com aquele desmazelo pegado, isso para fazer qual obra de Estado? Um mísero alargamento de estrada num troço de 400 metros. O “Opinião Pública” deu-se conta ou não é trajecto que o Arcindo faça todos os dias?

Ao Arcindo, que fez questão de lembrar os muitos anos de dedicação à causa da imprensa regional – a mim quase me vinham as lágrimas aos olhos –, não lhe ferve o sangue quando vem a saber que o presidente da Câmara usa fundos públicos para processar judicialmente a imprensa local? Não sente a pulsão de denunciar esse atropelo à classe profissional que diz defender e à causa que diz promover há largos anos? Ora aí estava um bom motivo para uma crónica de desagravo, e era da maneira que se deixava de bravatas inconsequentes.

É que o Arcindo também gosta de armar ao sonso. E fá-lo em grande: diz que a Câmara Municipal é só um dos mais de seiscentos clientes activos do “Opinião Pública”. A sério? E quanto é que esse único cliente representa no total da facturação, quer fazer o favor de nos dizer?

Deixo uma pista neste link: https://www.base.gov.pt/Base4/pt/pesquisa/?type=contratos&adjudicatariaid=249635

Escusado seria dizer que as adjudicações de publicidade institucional da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão aos órgãos de comunicação social local são direccionadas para favorecerem uns e excluírem outros. O Arcindo não apenas sabe isso, mas tem sorte, tem muita sorte até: está do lado bom da força. E vive bem com isso.

Mas vive muito pelo silêncio cúmplice. É que eu, só nessa edição do “Opinião Pública”, contei 9 artigos sobre iniciativas promovidas pelo tal cliente que é igualzinho aos outros; 5 desses artigos ilustrados com fotografias catitas do presidente da câmara. Coincidências.

Numa coisa o Arcindo tem razão: o poder local encontra no “Opinião Pública” o veículo prestável e adequado para difundir a sua mensagem. No final, bate tudo tão certo que até parece uma paródia ao estilo do “cachimbo do Magritte”. De um lado temos meia página do Arcindo a reclamar créditos de serviço público. Do outro temos um jornal inteiro a gritar-nos na cara que é bem ao contrário disso.

Termino citando um famoso filósofo grego:

– “Está bem, abelha.”

 

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