Que problemas é que Famalicão tem e que a sua candidatura pode ajudar a solucionar?
Os problemas de Famalicão são mais ou menos idênticos a todas as comunidades de média dimensão do litoral norte português. Têm a ver com ordenamento do território, infraestruturação do território, vias de comunicação, mobilidade da população e condições de habitação para a mesma. As circunstâncias com que a autarquia tem de lidar são serviços de saúde, de educação, apoio a populações com mais fragilidades, seja da infância ou a população sénior. A autarquia lida com a vida das pessoas, da comunidade, e uma comunidade com a dimensão de Famalicão, com as características do território do concelho de Famalicão já são problemas amplos.
Além das questões que falou, há outras mais especificas que estão em evidência, nomeadamente em relação a estarmos num concelho, especialmente num centro urbano, com tantas obras em simultâneo.
Para o dia a dia das pessoas que habitam, trabalham, estudam e se deslocam aos serviços, mesmo que pontualmente, nos dias atuais há alguma saturação. A cidade está um estaleiro, não é só um ponto do núcleo urbano, são vários pontos. Várias ruas, vários espaços que estão a ser intervencionados e que afetam o dia a dia das pessoas. Uns dias são umas ruas fechadas, depois são outras. Deixa de haver estacionamento. Isso cria contratempos, mesmo que passageiros. Agora, por exemplo, inicia-se um novo ano letivo e assistimos a um fenómeno que não é circunstancial. A questão da concentração das escolas, do número de alunos que as frequentam aqui no núcleo urbano. É um problema que não é derivado desta circunstância e que se assiste todos os anos letivos.
São milhares de alunos, diariamente, no centro urbano. Neste contexto, milhares de alunos num centro urbano em obras.
Sim, e mesmo fora de obras é uma situação que a autarquia, o Município tem de encontrar alguma solução. Criar corredores específicos, nomeadamente para os transportes coletivos, incentivar as famílias a tentar encontrar outros esquemas de deslocação das crianças para a escola. Há aqui um estudo necessário, pelo menos em determinados horários, entradas, saídas, etc. Há que criar uma solução que permita uma fluidez que não tem atualmente.
Uma outra temática que está em evidência é a a construção do CeNTI no Parque da Devesa, que está envolvida numa ação judicial. Uma associação famalicense questiona a legalidade do processo, no âmbito da documentação que foi consultada e que contém vários aspetos que consideram irregulares. A Câmara desde sempre concordou com a realização da obra, autorizou-a. Se fosse o Paulo o presidente da Câmara, teria agido igual?
É uma pergunta que não é fácil responder. Primeiro porque era preciso conhecer melhor os dossiês. Eu penso que aqui a decisão também foi tentando balançar o interesse, que eu reconheço que é o interesse estratégico, no investimento do CeNTI e do Citeve e que a autarquia não deve desprezar.
Não está em causa a importância do Citeve e podia ser qualquer outra instituição. É uma questão no âmbito da legalização, do ordenamento urbanístico.
Exato. Eu sei, que aqui há vários interesses que se ponderam. Eu estava a falar de um dos pratos da balança e depois há outros e, óbvio, a possível ilegalidade. O associativismo tem de ser consequente e há uma crise de associativismo e movimento de cidadãos então temos de valorizar isso. A comunidade fica enriquecida se os cidadãos tomarem em mão o interesse da coletividade e da comunidade. A Famalicão em Transição fez muito bem em, achando que havia ilegalidades, levar a cabo uma ação judicial. Eu, colocado no papel de dirigente autárquico, iria seguramente tentar resolver o assunto de outra forma. Não sei se há outros terrenos que pudessem ser utilizados. Provavelmente seria uma das soluções que uma autarquia mais conciliadora tentaria. Um terreno próximos das instalações e que permitissem a ampliação e a melhoria do CeNTI e do Citeve. E teria de atuar no sentido de, pelo menos, não serem cometidas ilegalidades. Este assunto foi levado à Assembleia Municipal e, dos poucos documentos a que os deputados tiveram acesso, isso não transparecia.
Aparentemente não transparecia para ninguém, porque não havia informação suficiente. Uma das questões que a associação coloca em causa é essa: a ausência de discussão pública, de estudos de impacto ambiental ou de consulta a entidades externas.
O único óbice que estava manifesto era afetar as hortas. Já de si é questionável, mas pronto eu aceito que na ponderação entre a deslocação das hortas e levar a cabo o projeto do Citeve e do CeNTI, pode se beneficiar desse investimento e deslocar as hortas, mas não é só isso que está em causa.
Pois, na altura parecia ser só isso.
Exato, parecia ser só isso, mas pelos vistos não é só isso. Portanto, há aqui um processo que está viciado e provavelmente terá consequências. Isto resulta de uma postura da autarquia que me parece questionável, e até condenável, que é a de valorizar a área do negócio em detrimento de outros valores que a comunidade cada vez mais valoriza e que devemos também ter esse desiderato. Valorizar ambientes, espaços de lazer, de fruição do verde, dos jardins, etc. Vê-se isso noutros projetos, por exemplo, na ampliação de empresas às quais é atribuído interesse municipal e que vão ocupar área de reserva agrícola. Essa falta de fronteiras nítidas é que a autarquia tem de estabelecer.
É uma das características que diferencia o Bloco de Esquerda da coligação PSD/CDS-PP?
Sim. Não é que o Bloco queira ser inibidor do crescimento industrial ou empresarial, mas não tem de ficar sujeito a esses interesses e não tem de privilegiá-los em detrimento de outros interesses que, para nós, são tão ou mais importantes. Já há áreas industriais estabelecidas que devem ser bem infraestruturadas. As empresas nasceram há 40 anos ou mais, precisam de se expandir e no passado o ordenamento do território foi mais ou menos caótico, mas é preciso alterar esse paradigma. Devíamos estimular a saída das empresas de áreas de reserva agrícola. Isso tem implicação no tratamento de afluentes, de resíduos porque não estão concentradas no território onde deveria haver indústria.
E as freguesias? O Bloco tem candidaturas para algumas Assembleias de Freguesia.
Sim, não muitas. Poucas até. Joane, Oliveira de São Mateus e Famalicão e Calendário. Onde há ativistas do Bloco e que se propuseram a concorrer.
Quais são as três principais propostas do Bloco de Esquerda para Famalicão? Seja na Câmara Municipal ou nas Assembleias de Freguesia, o que é que o Bloco de Esquerda propõe aos famalicenses?
De atuação mais urgente, podemos dizer três áreas: habitação, mobilidade e cuidados com a infância. Uma rede de apoio, de creches, a todas as crianças e bebés das freguesias, que permitam às famílias ter os filhos num sítio confortável e atuante, que permita às crianças crescer saudavelmente junto aos seus pares. Sei que há famílias que não querem estas opções, mas temos de estimular as famílias a participar deste processo. A autarquia não pode gerir creches, mas pode criar redes em associação com entidades até já estabelecida para que todo o concelho esteja coberto por essa rede de creches, com uma dimensão e capacidade para despistar todas as situações que possam ser de negligência e até de perigo para as crianças. Uma comunidade que trata bem as crianças certamente sai enriquecida por esse facto.
A mobilidade afeta essencialmente as comunidades mais periféricas. É necessário atuar, é preciso investimento, mas mais do que isso é preciso pensar numa rede eficaz e eficiente. As pessoas que não têm veículo próprio ou não têm possibilidades de se deslocar em veículo próprio devem poder fazer a sua vida sem qualquer tipo de constrangimento.
Não podemos ficar como espectadores do mercado. A questão da habitação atinge segmentos da população como o que está à procura de um espaço para constituir novo agregado. Segmentos que permitem que a população tenha algum dinamismo demográfico e são essenciais. A autarquia pode intervir de forma direta: pode ser proprietário, senhorio, construtor. As pessoas que se vêm esmagadas pelos preços não precisam de ficar sem habitação digna. Assim evitamos desertificação e gentrificações. Garantimos um núcleo central habitado e vivo. Para o próprio comércio é importante haver gente. Há muitos edifícios no casco mais antigo da cidade arruinados, degradados e é preciso incentivar os proprietários, ou substituí-los nessa tarefa, para tornar esses edifícios habitáveis.
Agora que disse essas principais áreas, imagine que eu sou uma eleitora indecisa e que estamos a ser assistidos por eleitores indecisos. O que é que nos diria para convencer a votar em si?
O trunfo que podia apresentar é que o Bloco de Esquerda é uma voz que procura defender o interesse dos que, habitualmente, não têm muita voz. Pessoas que não tem meios, poder para serem ouvidas. Vemos habitualmente forças de direita que reproduzem a voz dos dominantes e das concepções estabelecida. O Bloco de Esquerda tenta superar esse tipo de voz e chamar a atenção para determinados segmentos da população que em número são significativos, mas se vêm silenciados.
As pessoas falam que pagam muitos impostos, mas isso é do prisma de quem tem rendimentos para pagar impostos. Há um segmento significativo da população, nomeadamente famalicense, que pode pagar impostos diretamente quando compra determinados bens e serviços, mas não tem rendimentos para serem tributados. Em termos civilizacionais, é um acrescento. Portanto, acharmos que ao contribuir com os nossos rendimentos, e quanto mais rendimentos mais contribuímos para o bem-estar geral, todos viveremos melhor.
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