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Sexta-feira, 22 Novembro 2024

Natal no Reinado da Felicidade

Um conto sobre a verdadeira magia desta época festiva.

15 min de leitura
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Famalicão

Há muitos anos atrás, no Reinado da Felicidade, vivia o rei João Corropio, sua rainha, Dona Maria Brincalhona e as suas lindas princesas, a Maria, a Margarida e a Madalena.

Contrariamente aos outros reinados, esta família vivia numa casa muito humilde, com apenas dois quartos, uma cozinha e um sanitário, mas em contrapartida tinham muito terreno onde cultivavam os produtos necessários para se alimentarem e trocarem por outros bens na feira semanal onde todos os reis iam com as suas famílias. Eles conviviam e aproveitavam para efetuarem as necessárias permutas.

Tinham também muitos animais que criavam para serem sacrificados e servirem de alimento com a sua saborosa carne, desde frangos, patos, coelhos, cabritos, porcos e bois.

As galinhas viviam mais anos pois a função delas era fornecerem deliciosos ovos que as princesas adoravam recolher.

As meninas também se deliciavam quando iam com a mãe mungir as vacas e saborearem o leitinho quentinho acabado de sair.

Para além do quintal tinham também um enorme e lindo jardim com muita variedade de flores e árvores.

As princesinhas adoravam brincar e correr pela quinta atrás do cão que elas chamavam de Leão por ser de grande porte, pois era um cão Serra da Estrela ou atrás da gata Piasca que gostava muito de se esconder nos arbustos.

Naquele reinado a felicidade sentia-se durante todo o ano, mas quando chegava a época natalícia a alegria e euforia era muito maior.

De todas as árvores existentes na quinta, a preferida era sem dúvida o pinheiro, que ganhou o estatuto de Árvore de Natal quando S. Bonifácio tentou erradicar uma crença pagã cortando um, mas como não conseguiu, decidiu associar o seu formato triangular à Santíssima Trindade e as suas folhas resistentes e perenes à eternidade de Jesus.

Todos os anos, no dia um de dezembro, o Rei João Corropio, enfeitava a árvore de Natal com luzes de todas as cores e colocava-as a piscar alternadamente para se tornar mais bela a sua contemplação!

As meninas escreviam uma carta ao Menino Jesus a agradecerem por terem saúde, alimentos e uma casa para se abrigarem e cada uma pedia o brinquedo que gostava de receber na noite de Natal. Começava assim a sentir-se a magia do Natal!

Naquele tempo cada família escolhia o nome do seu reinado e os reinados vizinhos da Felicidade eram: Amor, Partilha, Solidariedade, Justiça, Amizade, Bondade, Confiança, Paciência, Sabedoria, Alegria, Diversão, Fé, Caridade, Esperança e Paz. Cada reinado dedicava-se a uma atividade comercial, agrícola ou industrial ou a algum serviço e cada um trocava o seu talento por algum bem ou serviço que necessitasse. Não tinham dinheiro, mas não sentiam a falta dele pois naquela terra tinham tudo o que necessitavam através das trocas que efetuavam e viviam todos muito felizes.

Eram todos amigos uns dos outros e promoviam festas entre eles para se divertirem em conjunto. Quando chegava a época Natalícia não eram apenas as crianças que ficavam eufóricas, os adultos também se esmeravam nas decorações das suas casas e faziam concursos para a melhor casa iluminada, a rua mais bonita, as melhores rabanadas, os melhores mexidos, a melhor aletria.

As crianças adoravam construir o presépio e também havia um concurso para o presépio mais original.

Na semana que antecedia o Natal a azáfama era muita com os ensaios para a Missa do Galo pois costumavam representar o nascimento do Menino Jesus com uma pequena peça teatral inserida na proclamação do Evangelho.

Na Véspera de Natal as famílias costumavam juntar-se para festejarem o Natal. Começava ao almoço com bacalhau assado na brasa, batatas e cenouras cozidas, ovos e grelos, guarnecidas com cebola e azeitonas e untadas com azeite do melhor.

Durante a tarde as mulheres dedicavam-se a fazer os doces tradicionais enquanto conversavam. Os maridos jogavam às cartas e ajudavam no que fosse necessário. Era um cheirinho delicioso dentro de cada casa! Nas ruas colocavam pinhas a queimar e isso libertava um cheirinho bom a pinheiro!

Naquela altura cheirava mesmo a Natal pelas ruas das aldeias.

A Ceia de Natal era igual em todas as casas, muito bacalhau cozido com batatas, cenouras, tronchuda e olhos de couves! Uma delícia quando se juntava o azeite, o vinagre, o vinho tinto, o alho e alguns ainda colocavam pimenta!

Enquanto se comia, os mexidos, ou formigos como alguém chamava, acabavam de serem cozinhados para serem a primeira sobremesa a ser degustada ainda quentinha! Uma delícia que abria o caminho para a aletria, as rabanadas, o bolo rei e o toucinho do céu!

Apesar de ser sempre muito frio e muitas vezes até nevar, toda a gente ia à Missa do Galo que começava à meia noite.

Quando chegavam a casa, as crianças colocavam os sapatinhos junto da lareira e iam dormir a sonhar com a prendinha que o Menino Jesus lhes iria trazer. Era assim em todas as casas e por isso também na casa onde reinava a Felicidade e vivia o Rei João Corropio, sua rainha e suas princesas.

Com a evolução da civilização a nível mundial, apareceu o dinheiro e as trocas deixaram de existir. Cada um comprava o que queria conforme o dinheiro que tinha. Apareceu o Pai Natal, um homem velho de barbas brancas, gordo e vestido com um fato vermelho a gritar Ho!Ho!Ho!  que roubou o lugar do Menino Jesus e os Natais foram ficando cada vez mais pobres e tristes. Os reinados passaram a ter mais nomes, para além dos que já existiam e surgiram: o ódio, a inveja, a raiva, a maldade, a vingança, a injustiça, a mentira, a falsidade, a vaidade, a corrupção, a difamação, a ambição, o egoísmo, o vandalismo e muitos mais!

As ruas deixaram de cheirar a Natal e até mesmo dentro de casa o cheirinho já não era o mesmo!

As crianças já não brincavam umas com as outras nas ruas nem nas escolas, cada uma brincava com o seu telemóvel ou tablet.

Deixaram de celebrar a Missa do Galo e até retiraram a Cruz de Jesus das escolas! Pessoas foram castigadas por andarem com uma cruz ao pescoço.

Toda a gente queria usufruir das mordomias que a evolução industrial permitia ao criar novos produtos, mas depois gritavam para que se deixasse de produzir este ou aquele produto para se salvar a natureza.

Promoviam-se cimeiras do clima, mas continuava a ver-se muito lixo espalhado pelo chão das ruas, nas praias, nos rios e nos oceanos.

As pessoas matavam-se umas às outras e alguns até se matam a si mesmos de tão desesperados que andavam!

Havia muita gente a morrer à fome e ao frio durante o ano inteiro, mas só se lembravam delas pelo Natal.

As pessoas corriam de um lado para o outro a comprarem prendas para trocarem uns com os outros e esqueciam que quem fazia anos nesse dia era o Menino Jesus e não lhe davam a prenda que Ele mais queria, que era: AMARMO-NOS UNS AOS OUTROS COMO ELE NOS AMA e vivermos todos em PAZ.

O Natal de antigamente que mostrava a Alegria de uma comunidade que vivia em União, Partilha e Paz o ano todo passou a ser um Natal, vazio, egoísta e sem Esperança!

Quando já se falava no fim do mundo, de tão perdidas que andavam as pessoas, uma Associação Recreativa, desafiou a comunidade a construírem Presépios pelas ruas.

As famílias juntaram-se e surgiu o primeiro Presépio e a iluminação dessa rua! Ficou lindo e começou a sentir-se a magia do Natal pois as pessoas dessa rua andavam mais sorridentes e conversadoras!

Aos poucos foram surgindo mais Presépios e cada grupo queria fazer o seu mais bonito que os outros! Criou-se uma espécie de competição e era agradável ver a criatividade daquela comunidade pois cada Presépio era único e original!

Construíram Presépios lindíssimos e com as mais variadas matérias primas, uns eram todos em madeira, até as imagens, outros de pneus velhos e imagens com material reciclável, tinha outros com imagens em barro, mais pequeninas, mas mostrava uma aldeia inteira. Houve até quem fizesse as imagens todas em croché e a cobertura da casa e o terreno envolvente com mantas de tricô de várias cores!

Eram todos muito bonitos e sentia-se um cheirinho ao velho Natal. No entanto um presépio destacou-se dos outros pois foi construído junto à Igreja e não representava uma rua, mas sim a comunidade inteira!  Foi construído pelos diversos grupos da Paróquia; Catequese, Escuteiros, Guias e Jovem em Caminhada e tinha imagens do tamanho real, feitas em esferovite e vestidas com roupas que costumavam ser utlizadas nas procissões. Ficou lindo! Parecia mesmo o Presépio de Belém!

As ruas e as casas estavam todas iluminadas e as pessoas andavam mais pelas ruas a conversar umas com as outras. Começou a ver-se as crianças a brincarem umas com as outras como faziam antigamente. Jogavam à cabra cega, ao pião, à macaca, ao elástico, à corda, à bola e ao esconde esconde! Ouvia-se gritos de alegria e euforia e o ar parecia mais puro.

Nos dias que antecediam o Natal as mulheres andavam de volta do bacalhau para que não ficasse salgado nem demolhado demais.

As hortas ficavam despidas com a retirada das couves e das tronchudas, mas isso era sinal de que o terreno ficava disponível para novas sementeiras e plantações!

Nos prados só se viam cabritos bebés e suas mamãs pois a maior parte tinha sido sacrificado para ser degustado no dia de Natal.

Ao ver os seus paroquianos todos animados com a Quadra Natalícia, o senhor Padre decidiu voltar a celebrar a extinta Missa do Galo. Convidou o grupo da Catequese para representar o nascimento do Deus Menino e as crianças andavam todas animadas a preparar esse momento.

A Mariazinha, uma menina de dez anos iria representar a mãe de Jesus. O Zequinha, um adolescente já com a barba a notar-se seria o São José e o boneco da Leonor seria o Menino Jesus.

O Afonso, o Duarte e o João Valentim, todos com nove anos, iriam representar os respetivos Reis Magos, Baltasar, Belchior e Gaspar e estavam todos contentes porque iriam levar presentes para oferecer ao Menino Jesus.

A Leonor, o Simão e o Martin iriam levar varas e algumas ovelhas de peluche pois representavam os pastores.

A Carolina iria ser o Anjo e o Óscar ia vestir-se de Estrela.

O Henrique e o Tomás iriam disfarçar-se de Boi e de Burro e andavam eufóricos a ensaiar os ruídos deles!

A semana que antecede o natal passou a voar e quando chegou o grande dia, toda a Comunidade estava em festa e andavam todos felizes por estarem a sentir que aquele Natal estava a ser muito diferente dos anteriores.

O ar que se respirava cheirava a pinho e canela.

Quando o sino terminou de tocar as 12 baladas, foi soltada uma girandola de foguetes e só no fim disso é que as pessoas entraram para a Igreja, que ficou cheia, apesar do frio que se fazia sentir!

Estavam todos curiosos para ver como as crianças iriam representar o nascimento do Salvador do Mundo!

Estava tudo a correr muito bem. Quando as crianças estavam a representar a entrada dos Reis Magos para irem adorar o Deus Menino, acabado de nascer, alguém empurrou a porta do fundo da Igreja, que estava encostada por causa do frio e ficaram todos paralisados e de olhos arreguilados! Até o senhor Padre!

Do fundo da Igreja vinha uma forte luz brilhante que era o reflexo da Estrela que acabara de se dirigir até ao altar e que ficou parada suspensa no ar mesmo por cima do presépio que estava a ser representado no lado direito.

A seguir entraram dois animais, um boi e um burro e foram juntar-se aos outros animais.

Lentamente surgiu um casal. A mulher transportava um bebé ao colo e também se foram colocar no presépio, ao lado das crianças que estavam a representar Maria, José e o Menino Jesus.

As roupas que o casal tinha vestido eram iguais às roupas das imagens do Presépio que tinha sido construído pelos grupos da Paróquia, mas ninguém se atrevia a dizer uma palavra! Estavam todos encantados!

– Não tenham medo! – disse a mulher com uma voz suave e meiga – nós só estamos aqui porque vocês assim o desejaram!

– Quem são vocês? – perguntou o senhor Padre não querendo acreditar no que estava a pensar.

– Não nos reconhecem? – perguntou o homem – Eu chamo-me José e esta é a minha esposa, Maria. Ela acabou de dar à Luz o nosso filho, chama-se Jesus. O que é que estes meninos e meninas estavam a representar?

– Estávamos a representar o Nascimento do Menino Jesus, o Deus Salvador do Mundo e vocês parecem eles! – disse o Zequinha rapidamente.

– Muito bem Zequinha! És observador! – disse a Maria.

– Como sabe o meu nome? – perguntou ele muito depressa!

– Nós sabemos tudo – continuou Maria – nós somos o verdadeiro Presépio Vivo! Só estamos aqui porque vocês contruíram tantos presépios, aproveito para vos dar os parabéns pois estão todos muito bonitos, mas no vosso coração construíram algo ainda mais bonito, sabem a que me refiro?

– Ao AMOR! – gritou do meio da Igreja uma mulher – nós colocamos muito amor em cada Presépio. Desde que começamos a construi-los o ambiente nesta terra melhorou muito. Andamos todos mais amigos uns dos outros e voltamos a ver as nossas crianças a brincarem na rua. Posso fazer uma pergunta?

– Claro que podes Rosa – disse Maria – diz o que estás a sentir!

– Eu não estou a sentir nada! Ou melhor, eu sofria de dores crónicas há muitos anos e desde que eu Vos vi a entrar e senti que eram o Verdadeiro Presépio eu pedi que me livrassem delas. Com este frio eu estava com muitas dores e não conseguia mover o pescoço e agora consigo e estou a sentir-me muito bem! Estou tão feliz e tão grata! Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados! O que posso fazer por Vos agradecer?

– Continua a ser como és! Ama os outros como a ti mesma e continua a levar a Boa Nova de Jesus a todos os que se cruzarem contigo!

Convencidos que estavam perante a Sagrada Família de Nazaré, apesar de não entenderem como, as pessoas ajoelharam-se e começaram a pedir saúde para elas ou familiares que estavam doentes. Foi o senhor Padre que quebrou o silêncio e disse:

– Estou certo que vieram até cá por algum motivo, posso perguntar qual?

– Continua a Celebração como se nós fossemos imagens do vosso Presépio e no fim voltamos a falar, pode ser? – disse José, puxando Maria para junto de si e sentaram-se junto aos meninos que estavam a representar.

Os três Reis Magos aproximaram-se para entregar os presentes e ficaram todos muito admirados ao verem que as caixas que deviam estar vazias afinal tinham ouro, incenso e mirra.

A missa continuou e na parte final quando era para se dar o beijinho ao Menino Jesus foi emocionante ver toda a gente a beijar o Deus Menino, não nas mãos do senhor Padre, mas no colo de Sua Mãe Santíssima!

No fim, José pegou nos presentes e entregou ao senhor Padre dizendo: – Usa a mirra para purificares os mortos, o Incenso para fortalecer a Fé dos vivos e o ouro para ajudares os pobres. – virou-se para a população e disse que todos os doentes estavam curados e que confiavam neles para serem promotores da Paz e do Amor. Colocou o braço por cima do pescoço de Maria e juntos saíram da Igreja seguidos pelos animais e a Estrela.

O senhor Padre foi o primeiro a segui-Los e atrás dele foi toda a população. Ficaram todos admirados ao verem que Eles se dirigiram para a casa do Presépio Comunitário que estava junto da igreja e que estava vazia. Eles chegaram, colocaram-se no respetivo lugar acenaram a dizer adeus e voltaram a ser apenas as imagens de esferovite novamente!

A partir desse dia a Magia do Natal sentia-se durante todo o ano e viviam todos felizes e contentes.

 

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