“Já nascemos de joelhos
Já dobrados pelo meio
Ensinados a querer”
Dilúvio – A Garota Não
O Norte de Famalicão está a sofrer uma transformação radical. Durante anos a cidade “terminava” na fronteira definida pela estrada da Póvoa (N206) e pela estrada para Braga (N14). Essas barreiras mantêm-se e as últimas obras na estrava da Póvoa não vieram resolver a situação. No entanto, já não impedem uma expansão urbana alicerçada no transporte em automóvel, onde os espaços verdes serão residuais. Em 2022, o enorme estaleiro da nova frente urbana junto ao Tribunal é a face mais visível dessa transformação.
Para além da unidade de execução (UE) do Tribunal, a zona tem uma outra UE identificada como “norte da cidade”. Esta UE promete a abertura de um arruamento com início na rotunda Norte da Variante, trespassando um bosque com carvalhos centenários e transformando campos agrícolas em novas frentes urbanas. O remate dessa nova via será na estrada da Póvoa com mais uma rotunda e, com isso, transformará uma zona relativamente tranquila numa área de elevada carga automóvel (numa alternativa à rotunda de Santo António).
Na zona, conhecida como Talvai e que será atravessada por esta nova via distribuidora de trânsito, está para nascer um equipamento desportivo com pista de Atletismo e BTT. Nessa obra já se gastou, pelo menos, 600 mil euros para a preparação de um terreno húmido e instável para acomodar uma obra que ainda não saiu do papel.
Para além disso a pressão imobiliária é tanta (e com tanta densidade) que, o até há poucos anos tinha características quase “campestres”, hoje vê-se transformada num contínuo de blocos de apartamentos onde não se consegue perceber que espaços serão reservados a áreas verdes ou de uso comunitário.
Tudo isto tem sido feito sem uma visão de conjunto e temo que mais tarde a fatura a pagar seja pesada.
Das várias dimensões da questão vou pegar numa que tem sido “varrida” para o subsolo: a água. Toda esta zona é rica em linhas de água. A começar pelo Talvai, um ribeiro que foi sistematicamente enterrado: desde a linha do Minho (CP) passando debaixo do estacionamento de um hipermercado, atravessando a rotunda de Santo António e o Parque de Sinçães, este ribeiro só volta a ver a luz do dia no Parque da Devesa, quando desagua no Pelhe.
Nas obras de preparação do terreno para a futura pista de Atletismo, no ano 2016, em vez de se libertar este ribeiro fez-se o contrário. Isso ao arrepio das boas práticas que na Europa liberta as linhas de água, enquanto aqui – neste recanto chuvoso da Ibéria, voltamos a reincidir no erro de prender aquilo que mais tarde teremos de pagar para libertar.
As chuvas de Outono estão a chegar, mas provavelmente teremos mais um Inverno seco. A minha avó dizia que: nada se paga como o tempo. Mais tarde, ou mais cedo teremos um Inverno chuvoso daqueles de semanas contínuas de temporais. Mesmo que os sistemas artificiais de drenagem funcionem, ninguém nos garante que a água não esteja a minar o subsolo e que nos aconteça como em Lisboa em 2003 e 2017 onde buracos surgiram “do nada” e, no caso de 2003, chegaram a engolir um autocarro. [ver aqui e aqui]
Neste final de Agosto de 2022 o Paquistão sofreu inundações “apocalípticas”. Neste mesmo mês, num Verão de temperaturas a bater recordes e num período de seca histórico que se alastrou à fresca e húmida Inglaterra ou às planícies centrais da Europa (Alemanha e até à Ucrânia) temporais inundaram vilas e cidades espanholas, provocando elevados prejuízos e semeando o caos. No Verão de 2021 foi na Alemanha que as chuvas provocaram inundações nunca vistas.
Não nos faltam avisos. Por isso, fica este registo escrito para que no futuro não venham com o argumento que a imponderabilidade e a aleatoriedade determinaram o infortúnio.
Post Scriptum: Durante quanto mais tempo os documentos do Município vão manter as assinaturas com os “títulos” académicos? Dr., Eng., Arq.º ou Prof. Doutor são coisas de outros tempos e que só servem para manter o status quo – uma cultura servil de protocolos anacrónicos.
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