“Prefiro a periferia ao centro que se afunda”
Friedrich Nietzsche *
Como começar um texto a falar de futuro sem parecer um profeta, um doutor, um evangelizador ou um pessimista que já viu o apocalipse e quer partilhar as suas dores?
Sou simplesmente um famalicense, um tipo comum que se cruzou ao longo dos seus 52 anos com gente boa, com percursos diferentes e com quem partilhou ideias e teve discussões animadas.
E isto basta-me para participar na festa da democracia e na construção do futuro comum da minha comunidade. Alguns pensam de forma diferente e ainda estão por cá: obrigado Melo por me cortar o som numa Assembleia Municipal!
No futuro seremos menos, seremos velhos, o nosso vizinho será de outra cor, falará melhor outra língua ou terá outro sotaque e teremos um clima ingrato. Talvez mesmo inclemente.
O presente também me diz que quando a desgraça bate à porta, o primeiro a dar a mão é este vizinho e um pouco mais tarde é o povo da terra ao lado e depois o povo da terra ao lado da terra ao lado. Valência, mais uma vez, mostrou-me isso.
A vida é sofrimento, também é outras coisas que por sinal aprecio muito e agradeço a sorte da sua abundância nos meus dias. A vida não tem de ser sempre um calvário. Muitas vezes não há como escapar. Mas se pudermos fazer com que a coisa doa menos, para quê escolher pisar as brasas? André, respeito as tuas venturas, mas automutilação não é a minha cena.
Posto isto, e como disse o Luther, i have a dream…
Imagina que os teus filhos podem voltar a brincar na rua;
Imagina que os nossos velhos podem fazer parte das nossas vidas até que o maldito alzheimer ou a artrose não lhes deixem outra opção;
Imagina que ao Domingo possas partilhar no teu bairro o teu Cozido à Portuguesa e recebas em troca um “Tikka Masala”;
Imagina que o teu filho anda em aulas de dança cigana e isso faz parte do articulado da escola;
Imagina que as mulheres da tua vida não precisam de andar com medo na rua, nem se sujeitam a ouvir comentários de “amor carnal” que fazem corar de vergonha até Quim Barreiro;
Imagina que nem precisas de ir ao ginásio, porque vais a pé às compras e de bicicleta para o trabalho;
Imagina que para ter voz sobre o destino da tua terra não precisas de requerimentos, formulários, hora de atendimento e a tua opinião é tida em conta… nenhum Continente abrirá à tua porta sem o consentimento do povo da cidade;
Imagina que na mercearia, talho ou padaria te tratam pelo nome… sim o pequeno comércio pode voltar e não precisamos ser escravos do consumo, nem das suas grandes corporações.
Imagina que queres passear no meio da Natureza, no meio de um bosque de Carvalhos e Sobreiros e no caminho possas parar para fazer a tua oração à Santa Catarina, num monte ao pé da tua casa.
Imagina aquele momento em que queres começar um projeto de vida talvez a dois sem filtros de cor, género ou religião, e que inclua crianças, as tuas e as dos outros e que no centro da cidade te oferecem habitação a custo controlado. Copenhaga, Viena… aqui tão perto.
Imagina que os parques infantis não têm barreiras. Imagina mesmo que o parque infantil é a tua cidade!
Um sonho… sim. Possível, mas não com as atuais políticas.
Se isto vai ficar pior?, sim. Mas eu conheço muita gente inconformada.
E se no futuro estamos todos mortos, os nossos filhos, netos, bisnetos… continuarão por cá.
* Pronto… citei Nietzsche. Atingi o Nirvana.
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