A Associação Famalicão em Transição vai avançar com uma ação popular contra o Município de Vila Nova de Famalicão. Em causa, a forma pouco transparente como foi gerida toda a situação que culminou com a retirada das hortas urbanas do Parque da Devesa, mais conhecido como Parque da Cidade.
Recorde-se que, tal como o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO noticiou em primeira mão, a Câmara Municipal retirou as hortas urbanas do Parque da Cidade para a construção das novas instalações do Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos Funcionais e Inteligentes (CeNTI).
A decisão foi tomada sem qualquer tipo de consulta ou aviso aos famalicenses que só souberam da situação quando já era facto consumado.
A Associação Famalicão em Transição refere, em comunicado, que “a retirada das hortas do Parque da Devesa (o seu lugar original) para a construção do CeNTI, alterando, sem discussão pública, o Plano de Urbanização da Devesa, que classifica a zona em causa como área verde, não prevendo a construção de edifícios a não ser de apoio ao Parque, uma violação da legislação em vigor, que abre um precedente grave em Famalicão”.
“Tratando-se de um pulmão da cidade não se compreende por que razão não se envolveu os famalicenses e associações nesse assunto”, refere Menezes de Oliveira, advogado da Associação Famalicão em Transição, acrescentando que “a ausência de uma explicação plausível põe em causa a legalidade do processo”.
Para o advogado, “quando há muito segredo se desconfia”. O NOTÍCIAS DE FAMALICÃO conversou com o advogado que explicou alguns dos aspetos em torno desse caso que violam os direitos dos famalicenses.
Aliás, é a existência de violação de direitos que fundamenta a realização de um processo jurídico, nomeadamente uma ação popular.
DIREITO À INFORMAÇÃO
O primeiro direito violado é o da informação. No entanto, a Câmara Municipal, apesar de todas as solicitações feitas pela Associação, não facultou acesso às informações sobre o processo que culminou com a construção de um edifício na área verde onde estavam localizadas as hortas urbanas.
Além da recusa em relação à consulta de documentos de interesse público, o advogado aponta a ausência de discussão pública para alteração e aprovação de documentos.
“Tudo leva a crer que também foram violados outros deveres, como, por exemplo, avaliação do impacto ambiental e consulta de entidades exteriores”, refere o advogado.
No entanto, mais detalhes só serão possíveis quando a Câmara, por fim, viabilizar a consulta ao processo. O Ministério Público será acionado para “garantir o cumprimento dos deveres da autarquia e o respeito aos direitos dos munícipes”.
A lei é clara: “Os processos dos planos especiais de ordenamento do território, incluindo os documentos que mais significativamente descrevam as diligências suscitadas pela sua elaboração, apreciação e aprovação, bem como pela sua eventual revisão, quando for o caso, são públicos”.
“Um autarca que não deve nem teme age de acordo com o que está na lei e de acordo com interesse dos munícipes e da comunidade local”, explica Menezes de Oliveira, acrescentando que “é dever do autarca defender e salvaguardar os interesses públicos, o ambiente, a qualidade de vida, o património e o domínio público”.
O advogado acrescenta ainda que “entre interesses privados e interesses difusos é preciso fundamentar muito bem para que se opte pelo interesse privado em detrimento dos interesses públicos”. Interesses difusos é um termo jurídico para direitos coletivos, ou seja, da comunidade como um todo.
Tal como o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO noticiou na ocasião, quando o assunto da retirada das hortas urbanas se tornou de conhecimento público surgiram, pelo menos, outras duas manifestações coletivas e públicas sobre a situação.
Ainda em 2020 os horticultores que cultivam nas hortas urbanas entregaram um manifesto à Câmara Municipal sem terem obtido resposta e um grupo de cidadãos criou uma petição online. A petição ainda está a decorrer e pode ser assinada aqui.
OBRA PODE SER DEMOLIDA
Segundo a lei, os atos administrativos que violem disposições de planos especiais de ordenamento do território – como é o caso do Plano de Urbanização do Parque da Devesa – são nulos. Consequentemente, se tal vier a ser constatado pelas autoridades, pode ser determinado o embargo dos trabalhos em curso ou a demolição da obra.
Em declarações à Lusa no dia 1 de fevereiro, o CEO do CeNTI, Braz Costa, disse que a construção do edifício deverá avançar “a todo o momento”, tendo a obra sido adjudicada por 1,3 milhões de euros, com um prazo de execução de cinco meses.
No entanto, já se passaram cinco meses e a obra parece estar bastante atrasada.
Atualmente, o CeNTI ocupa instalações do Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CITEVE). Criado em 2006, o CeNTI tem como membros associados fundadores o Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CITEVE), a Universidade do Minho, as universidades do Porto e de Aveiro e o Centro Tecnológico das Indústrias do Couro (CTIC).
PERDA DE MANDATO
A situação pode, inclusive, levar à perda de mandato de Paulo Cunha e outros membros do executivo municipal.
A violação culposa de instrumentos de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes – como por exemplo o Plano de Urbanização do Parque da Devesa ou o Plano Diretor Municipal – é uma das razões para perda de mandato.
Um dos casos de perda de mandato que foi amplamente noticiado pela comunicação social é o do ex-presidente da Câmara de Faro, Macário Correia. O autarca foi condenado a perda de mandato pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 2012, com “culpa grave”, por licenciamentos ilegais de obras e operações urbanísticas na altura em que dirigia a Câmara Municipal de Tavira.
Entre as razões que podem levar a perda de mandatos de membros de órgãos autárquicos estão a omissão de alguns deveres ou o cometimento de outras ilegalidades no exercício de cargos públicos.
Além disso, a prática (por ação ou omissão) de ilegalidades diversas no âmbito da gestão das autarquias locais pode também levar à perda do mandato de membros dos órgãos e eventualmente à sua própria dissolução.
ASSOCIAÇÃO PEDE DOAÇÕES
Criada em 2016, a Famalicão em Transição é uma associação sem fins lucrativos. Por isso, está a solicitar apoio para ajudar a custear as despesas jurídicas inerentes à defesa dos interesses da comunidade famalicense e do Parque da Devesa.
“Ajude-nos a manter o parque tanto estimamos e, acima de tudo, fazer cumprir os instrumentos de gestão de território que servem para garantir o interesse público”, afirma a Associação em comunicado.
A Associação informa que não há montante mínimo para ajudar. A doação de qualquer valor pode ser feita para a conta da Associação Famalicão em Transição na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Médio Ave com o PT50-0045 1280 4028 3963 8046 7.
A Famalicão em Transição pede aos doadores que enviem o comprovativo para o email famalicaom@gmail.com, de forma a emitir o recibo.
Recorde-se que a Associação foi criada com o objetivo de “tornar Vila Nova de Famalicão numa comunidade mais sustentável e resiliente, centrada nas pessoas e na natureza”.
Um dos objetivos da Famalicão em Transição é a “sensibilização ambiental e proteção da natureza”.
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