14.6 C
Vila Nova de Famalicão
Domingo, 5 Janeiro 2025
José Carvalho
José Carvalho
José Carvalho é famalicense, nasceu em 1972, e exerce a profissão Controller de Gestão. Os seus passatempos preferidos são a jardinagem e caminhadas.

Isto está a saque ou porque não voltar a falar do PDM?

A destruição da Mata da Boa Reguladora será um momento doloroso. Tenho a memória de uma cidade em que, de qualquer ponto do seu centro, era possível ver o verde das matas que a circundavam. Aos poucos, Famalicão foi perdendo esse património.

5 min de leitura
- Publicidade -
José Carvalho
José Carvalho
José Carvalho é famalicense, nasceu em 1972, e exerce a profissão Controller de Gestão. Os seus passatempos preferidos são a jardinagem e caminhadas.

Famalicão

“Esta é a história de um homem que cai de um prédio de 50 andares. Durante a queda, ele repete sem parar, para se reconfortar: ‘Até aqui tudo bem, até aqui… tudo bem.’”
O Ódio – de Mathieu Kassovitz

Em julho, numa sala da biblioteca Municipal, deu-se início ao período de discussão do PDM (Plano Diretor Municipal). A sala estava cheia. Mas quando foi aberto o tempo para as perguntas, só 3 pessoas colocaram questões. As 3 da associação Famalicão em Transição.

Fiquei a pensar sobre o assunto e ocorreu-me que, afinal, naquela sala, longe de se assistir a um momento de democracia participativa, estávamos a assistir a um pós-banquete. A metáfora da sala de fumo de outros tempos com janela para a rua onde os miseráveis recolhiam os restos daquela farta refeição, enquanto os empreiteiros assistiam fumando os seus charutos.

No final de novembro são publicadas imagens na imprensa local sobre a central fotovoltaica de Outiz (Santa Catarina). Em reação, tivemos um coro de críticas e indignação.

O que liga estes dois momentos?

O tempo que separa a decisão política e a tomada de consciência das suas consequências.

A declaração de relevante interesse público municipal, que permitiu o ecocídio do Monte da Santa Catarina, foi aprovada numa longínqua Reunião de Câmara e posterior Assembleia Municipal no ano 2020. Ainda na presidência do Sr. Paulo Cunha. 4 anos depois, já quando pouco era possível fazer, vemos as consequências desta desastrosa decisão.

A central fotovoltaica de Gemunde ocupa uma área de cerca de 80 hectares.

Voltando ao presente. A nova versão do PDM é um tratado de ganância imobiliária. Eu vi a teaser e parece um spin-off dos “Walking dead”.

Para quem é de Famalicão, a destruição da Mata da Boa Reguladora será um momento doloroso e (estou certo) fará correr muita tinta. Tenho a memória de uma cidade em que, de qualquer ponto do seu centro, era possível ver o verde das matas que a circundavam.

Aos poucos a cidade foi perdendo esse património e com o fim da Mata da Boa Reguladora, não sendo o último prego no caixão, pouco sobra.

Edifício da antiga fábrica da Boa Reguladora, praticamente ao abandono.

A gula não se fica por aqui. Acrescento o fim da zona desportiva da cidade e as várias Unidades Operativas de Planeamento e Gestão (UOPG) em terrenos rústicos. Por terreno rústico entenda-se aquele que se destina a atividades agrícolas, florestais e de preservação ambiental.

Destas UOPG em terrenos rústicos elejo como as mais escandalosas a n.º 3.6 em Fradelos (imagem1), sempre Fradelos, a n.º 4.9 em Oliveira Santa Maria (imagem 2), a 1.25 em Gavião (imagem 3) e todo programa urbanístico previsto no vale da Ribeira de Bargos junto ao Vinhal (imagem 4) – consultem também a petição disponível neste link.

Vale da Ribeira de Bargos junto à urbanização do Vinhal.
Vale da Ribeira de Bargos junto à urbanização do Vinhal.

Perderemos terrenos agrícolas e florestais, enquanto isso na cidade não nos faltam ruínas e terrenos vazios espalhados pela malha urbana.

O betão não nos enche a barriga, não aquece as nossas casas, nem enche os nossos pulmões, mas alimenta a boa sorte de alguns. Sem com isso acudir ao problema da habitação. Não me parece que a crise da habitação se resolva com apartamentos a 300 mil Euros, preço de amigo…

Tudo isto não joga com o Plano Municipal de Ação Climática (PMAC) que provavelmente passou ao lado da maioria de nós. Neste documento, cheio de boas intensões, não faltam referências à urgência de preservar as nossas matas e florestas. Também trespassa a imperativa obrigação de respeitar o ciclo da água, os rios, ribeiros, barrancos e cumeadas de linhas de água, elementos fundamentais para prevenir os impactos dos fenómenos climatéricos extremos.

Mas a coerência entre documentos, para não falar entre o discurso e a prática, está tão longe como o Sol está de Neptuno.

Só umas notas finais, no início deste Ano Novo.

Estes dias o CeNTI / CITEVE “inaugurou” o seu pavilhão industrial que ocupou parte das antigas hortas da Devesa e anunciou um novo pavilhão. Para que conste, o novo edifício foi construído aproveitando um argumento na legislação (obviamente de manhosa legalidade) que permite a construção de anexos com uma implantação equivalente a 50% do edifício pré-existente à data do PDM em vigor.

Esgotado esse limite, era necessário aguardar pela aprovação do novo PDM…

Cá está o novo PDM!, e assim se acrescenta mais um edifício ao edifício já acrescentado (e previsto desde o início).

Apesar dessa habilidosa engenharia, a classificação deste terreno é de zona verde no Plano de Urbanização da Devesa, figura suportada em discussão pública e publicado em Diário da República. E isso basta para inviabilizar qualquer construção. Por isso, o executivo teve de recorrer ao Relevante Interesse Público Municipal para “legalizar” a obra.

Digam lá se isto não é gozar com quem trabalha?

Parque da Devesa terreno onde vai nascer o 2.º acrescento do CITEVE / CeNTI

Tivesse tempo e escrevia mais umas linhas sobre os 5,5 milhões de euros que o Sr. Paulo Cunha pagou em 2015 pela redução da capacidade de construção em 40% numa pequena tira de terreno na parte de cima do Parque da Devesa no alinhamento da Casa do Território (ver Planta A).

Essa capacidade construtiva havia sido acordada com o próprio Município, poucos anos antes, nas negociações para a construção do Parque por cedências ao domínio público no que é hoje o Parque da Devesa. Assim, pouco tempo depois o Município voltou a negociar uma coisa que devia ter feito de raiz o que “obrigou” à tal indeminização.

No mínimo, isto chama-se incompetência. Ou seja, a falta de aptidões e conhecimento para desempenhar determinada tarefa ou função.

Planta A. Fonte: Proposta de delimitação de unidade de execução: 1ª fase da sub-UOPG 1 do Plano de Urbanização da Devesa

A tira assinalada a azul-claro na imagem acima foi negociada por 5,5 milhões de euros para passar de habitação multifamiliar a unifamiliar.

Pelas minhas contas os 5,5 milhões de euros equivaleriam à venda de 220 apartamentos, mais ou menos 5 torres de 10 andares, [partindo de uma margem de 10% (lucro líquido) e de um valor de venda de 250 mil Euros por apartamento]. Não sei as margens praticadas pelo sector, mas 10% parece-me razoável (é limpinho, depois de pagar tudo); quanto ao preço de venda dos apartamentos, em 2015 esse valor seria (muito) razoável. A isso soma o lucro das vivendas que se vão construir no lugar dos ditos apartamentos.

Parque da Devesa terreno pelo qual o Município pagou 5.5 milhões de Euros para reduzir a capacidade construtiva.

Obrigado pelo seu esforço e paciência nesta viagem pelo planeamento e desordenamento no anarcoterritório famalicense. Só por si esse é um ato de resistência.

“O problema não é a queda, é quando impactamos com o chão.”

Imagem 1 – Fradelos
Imagem 2
Imagem 3 – Gavião
Imagem 4
Imagem 5

 

____________________

Os artigos de opinião publicados no NOTÍCIAS DE FAMALICÃO são de exclusiva responsabilidade dos seus autores e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

Comentários

José Carvalho
José Carvalho
José Carvalho é famalicense, nasceu em 1972, e exerce a profissão Controller de Gestão. Os seus passatempos preferidos são a jardinagem e caminhadas.
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Atualidade

O conteúdo de Notícias de Famalicão está protegido.