Os frutos e legumes biológicos das Hortas do Parque da Cidade, cultivados por quase duas centenas de famalicenses, têm dias contados. Tudo porque a Câmara Municipal de Famalicão, que é dona do terreno, prepara-se para doá-lo ao CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal.
O Parque da Cidade perde espaço verde e os utilizadores das hortas manifestam-se num abaixo-assinado, tentando travar a decisão camarária. A polémica está instalada.
As Hortas Urbanas de Famalicão, que são parte integrante do Parque da Cidade, foram inauguradas pelo ex-Presidente Armindo Costa em 2013 – pouco tempo antes de terminar o seu terceiro e último mandato como presidente do município.
Na época, as hortas urbanas foram a coqueluche ambiental da autarquia. Elas significavam um relacionamento novo e sustentável entre os moradores da cidade e os espaços verdes, permitindo aos famalicenses que vivem na cidade a possibilidade de fazerem a sua horta em modo biológico. Era uma aposta na qualidade de vida urbana.
A ideia de instalar um espaço agrícola no parque da cidade foi de Armindo Costa, o presidente que fez o parque, que era uma miragem dos famalicenses já com décadas. A inauguração aconteceu em 18 de abril de 2013, meses depois da abertura do parque.
Segundo a imprensa da época, Armindo Costa mostrou-se muito satisfeito por ver “o empenho, a alegria e o entusiasmo com que os famalicenses abraçaram o projeto”.
No local, algumas dezenas de pessoas, que tinham recebido os talhões por sorteio, trabalhavam a terra, nessa altura ainda despida de cor, mas onde, mais tarde, surgiriam alfaces, cenouras, alho francês, feijão verde e ervas aromáticas, entre muitas outras colheitas.
Agora, essas práticas agrícolas têm os seus dias contados. O verde do campo, mais uma vez, parece perder para o betão da cidade.
Contactado na tarde desta terça-feira, 12 de janeiro, para comentar o assunto e dar outras informações, Pedro Sena, que continua a ser o vereador do Ambiente, pediu que as perguntas fossem colocadas por escrito e enviadas ao gabinete de comunicação municipal.
ARGUMENTOS EM CONFRONTO
Alguns utilizadores das hortas biológicas contactados pelo NOTÍCIAS DE FAMALICÃO confirmaram os rumores que circulam na cidade. “A engenheira da Câmara Municipal já nos disse para não semear ou plantar mais nada”, afirmou um deles, resignado.
Segundo o mesmo utilizador das hortas, não foi dada alternativa, embora se fale na transferência das hortas familiares para outra zona da cidade.
“O meu interesse era ter uma horta aqui ao pé de casa”, explicou um dos moradores das imediações do parque da cidade, que agora vai desistir de trabalhar a terra e colher legumes frescos cuidados por si.
Por parte da Câmara Municipal, a decisão parece tomada, mas a sua ratificação terá ainda que passar pelo crivo da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal, uma vez que o terreno é municipal. Onde, de resto, Paulo Cunha e a coligação PSD-CDS têm uma ampla maioria absoluta.
Fonte do executivo municipal fez saber que a ideia não é unânime, mas, na hora da decisão, todos os vereadores da maioria deverão votar favoravelmente às pretensões do CITEVE. A intenção da Câmara Municipal será criar um novo espaço para hortas biológicas num terreno a sul do campo da feira semanal, entre o rio Pelhe e a Avenida dos Descobrimentos.
Paulo Cunha, que está a dirigir as negociações com o centro de investigação têxtil, deverá justificar a cedência de terreno no Parque da Cidade com alegados compromissos camarários com o CITEVE, em matéria de viabilidade construtiva, que terão sido firmados aquando da construção do Parque da Cidade.
Os defensores desta tesourada do betão no parque verde da cidade argumentam ainda com a necessidade de apoiar o centro de investigação têxtil e agitam uma ameaça: a possibilidade de o CITEVE deixar Famalicão.
Já os que se mostram contrários criticam a permissividade camarária em matéria ambiental e lembram que “se hoje é o CITEVE a comprometer o parque da cidade, amanhã aparece alguém a querer o mesmo noutra zona do parque”.
Quem não concorda com a entrada do CITEVE no parque da cidade lembra que o centro de investigação têxtil tem um parque de estacionamento subaproveitado, junto à Avenida do Brasil, em frente ao posto de combustíveis do Hipermercado Auchan, onde tem capacidade construtiva para fazer o edifício que precisa para a sua ampliação.
PRIMEIROS ALERTAS NO FACEBOOK
“As construções de prédios estão de volta. As construções à volta dos Parques quase os invadem. Ora se há mais cimento em construções, também haviam de aumentar os espaços verdes. Mas está a acontecer o contrário”, lamenta Carlos Machado, administrador do grupo do Facebook “Fama City”, numa publicação lançada em 5 de novembro de 20290, por sinal muito comentada.
Foi nesse “post” que, em jeito de preocupação, se falou pela primeira vez no fim das hortas urbanas e da sua ocupação “pelo CITEVE e suas associações anexas”. Escreveu Carlos Machado: “Além de prejudicarem o Parque da Devesa, porque as hortas também são espaços verdes, é caso para perguntar: quando nem as hortas chegarem com o crescimento do CITEVE, que fazem a seguir? Ocupam também o Parque da Devesa?”
“Ora se há mais cimento em construções, também haviam de aumentar os espaços verdes. Mas está a acontecer o contrário”, argumenta ainda Carlos Machado, que considera que “as hortas urbanas estão muito bem inseridas no parque” e é seguido nas críticas por outros internautas.
O QUE SÃO HORTAS URBANAS
As Hortas do Parque da Cidade de Vila Nova de Famalicão foram criadas em 2013, abrangendo uma área total de 11.490 metros quadrados, integrada no parque.
Ocupam um terreno onde em tempos esteve previsto o Museu do Surrealismo, projeto que, entretanto, caiu por falta de financiamento comunitário.
Em 2013, as hortas do parque foram apresentadas pela Câmara Municipal como o primeiro projeto de boas práticas agrícolas em zona urbana no concelho. Primeiro e único até ao momento.
O objetivo primordial é promover modelos agrícolas sustentáveis, contribuindo para a melhoria da qualidade ambiental e da segurança alimentar.
O projeto assenta na promoção da prática de agricultura biológica, sendo desta forma um elemento disseminador de boas práticas agrícolas e de respeito pelo ambiente.
Além disso, as hortas contribuem para a melhoria do bem-estar e da saúde da população urbana, para a economia doméstica e autonomia alimentar.
192 TALHÕES DE CULTIVO As Hortas Urbanas do Parque da Devesa integram 192 talhões de cultivo distribuídos por tipologias distintas. A saber: – Hortas familiares, a maioria dos talhões, de 25 metros quadrados; – Hortas inclusivas compostas por canteiros elevados e destinadas a pessoas com incapacidades motoras; – Hortas coletivas destinadas a associações e escolas; – Hortas pedagógicas destinadas à implementação de projetos educativos ou experimentais; – Hortas solidárias destinadas ao trabalho voluntário para cultivo de hortícolas frescas a entregar em lojas e cantinas sociais do concelho. Inclui ainda espaços de compostagem, casas de ferramentas charco, ramada e zonas de pomar e de lazer.
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