“Sobre o sofrimento eles nunca estiveram errados,
Os Velhos Mestres: quão bem eles compreendem
sua posição humana”
– excerto traduzido do poema “Musée des Beaux Arts”,
do poeta inglês W.H. Auden
Nos dias de hoje, é inegável o facto da presença que os prémios – sobretudo os maiores e mais conceituados – têm na vida de um escritor e na dinâmica do mainstream literário. Talvez haja até demasiados prémios, mas também se pode dizer que temos prémios para todos os gostos e esquisitices. Temos prémios para escritores, para escritoras. Temos prémios para poesia (cada vez em menor quantidade e em menor força), para ficção, para teatro, para policiais… Temos prémios temáticos e prémios “abertos”.
Contudo, no que toca à influência dos prémios na carreira de um autor e da sua projeção diante do leitor e do potencial leitor, as opiniões dividem-se. Alguns consideram importante que um autor seja premiado, como se o autor premiado tivesse uma espécie de certificação de qualidade de serviço. Outros não consideram que os prémios sejam tão importantes assim para o autor e que até lhes criam uma pressão.
António Lobo Antunes, autor de títulos como “Os Cus de Judas” e “Memória de Elefante” e vencedor de vários galardões de considerável gabarito, falara uma vez numa entrevista que o fenómeno de um prémio durava pouco e que era apenas um ato mediático desnecessário. Já João Tordo, vencedor do Prémio Saramago, também fala em entrevistas várias sobre a pressão que sentiu pelo facto de que o próximo livro que publicaria já traria na capa a nota “Vencedor do Prémio Saramago”.
Contudo, a meu ver, nem tudo é mau nos prémios. Os prémios, para além de apoiarem com uma quantia monetária significativa a produção literária, também consegue trazer para a ribalta autores que, outrora não eram conhecidos do público em geral. Um bom exemplo é a autora holandesa Marieke Lucas Rijneveld, vencedora do prémio Booker Prize 2020 com o seu romance de estreia “The Discomfort of Evening”.
Depois, há casos de autores como a poetisa norte-americana Louise Glück (professora universitária e autora de obras notáveis obras como “Averno” e “A Íris Selvagem”) que, ao ganhar o Prémio Nobel da Literatura, atinge fama internacional, surgindo várias traduções dos seus livros (em Portugal, temos já seis obras traduzidas publicadas pela editora lisboeta Relógio D’água).
Para além disto tudo, existe algo que tenho observado ultimamente e que poderia considerar como sendo provavelmente um fenómeno emergente. Tem a ver com uma aparente apetência dos prémios para dar voz a nichos mais “underground” de autores, sobretudo minorias. Não é novidade que a atribuição do Prémio Nobel da Literatura de 2021 a um escritor negro (Abdulrazak Gurnah, professor da Universidade de Kent interessado na temática do Pós-Colonialismo) vem abrir portas à expressão afrodescendente dentro do mainstream literário, expressão essa que ganhara força com casos de abuso como o de George Floyd e com o posterior revivalismo de autores negros que permaneciam esquecidos.
Todavia, esta mesma expressão afrodescendente – expressão essa que, por motivos académicos, me interessa bastante – tem vindo a ganhar mais voz noutras premiações. Se dermos uma vista de olhos aos Pulitzers atribuídos em 2021 na área da Literatura, vemos que todas as obras premiadas se debruçavam sobre questões raciais, sobretudo a atribuição do prémio para melhor Biografia a um livro sobre Malcolm X, uma das maiores vozes da luta contra a segregação. Nem mesmo os Pulitzers de Jornalismo e Música escaparam ao tema da segregação e do racismo.
No caso do Booker Prize, temos como vencedora a obra “The Promise”, de Damon Galgut. No caso do Prémio Goncourt, temos “A mais secreta memória dos homens”, de Mohamed Mbougar Sarr. No caso dos National Book Awards, vemos novamente a expressão afrodescendente a fazer-se sentir com o prémio de Melhor Ficção para “Hell of a Book” (de Jason Mott) e Melhor Não-Ficção para “All that She Carried” (de Tiya Miles).
Para além deste grupo afrodescendente, outros grupos têm vindo a ganhar expressão através das premiações. No caso das mulheres, a sua presença tem vindo a ser também sentida, estando também, por vezes, ligada ao caso afroamericano. No caso do prémio Nobel, temos a já mencionada atribuição do Prémio Nobel 2020 a Louise Glück, autora que, através de sua poesia orientada para a mitologia e para o espiritualismo, nos traz uma perspetiva mais profunda da posição da mulher no Universo, sobretudo em “Averno”. Já em 2019, a escritora polaca Olga Tokarczuk recebe também o Nobel, partilhando com o escritor austríaco Peter Handke (partilha essa contestada, devido à ligação de Handke ao genocida Milosevic).
Portanto, queria, através desta reflexão solta (rompendo com o formato usual das minhas crónicas até ao momento), expressar a minha visão sobre quão importantes podem ser os prémios para as carreiras dos escritores. Em certos casos, pode catapultar ou cimentar carreiras; noutros casos, pode, como já disse anteriormente, dar voz a grupos que estejam mais esquecidos. E você, caro leitor? Que pensa dos prémios literários?
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