O Restaurante 7 Velhos avançou com uma providência cautelar e a Justiça deferiu a restituição de posse do edifício localizado na Rua Narciso Ferreira esquina com a Rua Adriano Pinto Basto, em frente à antiga bomba de gasolina Íris, no centro da cidade de Vila Nova de Famalicão. A empresa que comprou o edifício tem 10 dias para recorrer da decisão.
A diligência de posse estava marcada para a próxima quinta-feira, 9 de junho, mas teve de ser antecipada para o dia 2 de junho. “Ao passar pelo local, verificámos que estavam a ser retirados bens do edifício o que contraria a ordem judicial. Contactamos imediatamente o nosso advogado que acionou o Tribunal. Infelizmente, apesar de a diligência ter sido antecipada, quando acedemos ao espaço, grande parte do recheio já tinha sido retirado”, revelou ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO Álvaro Velho, proprietário do Restaurante 7 Velhos.
A providência cautelar que reconhece o Restaurante 7 Velhos como legítimo arrendatário do edifício foi feita quando, em fevereiro deste ano, um dos responsáveis tentou aceder ao espaço e não conseguiu porque as fechaduras tinham sido substituídas. Ao contactar a senhoria, foi informado que o edifício tinha sido vendido na sequência de uma ação executiva levada a cabo pelo Município de Famalicão em novembro do ano passado.
“Ficamos em estado de choque! Nunca deixamos de pagar a renda, nem mesmo durante a pandemia. Não fomos avisados sobre a venda, nem antes nem depois de acontecer”, destaca Álvaro Velho.
Além da providência cautelar, o Restaurante apresentou queixa ao Ministério Público e irá avançar com uma ação definitiva de reconhecimento. O contrato de arrendamento do edifício foi celebrado em 1969 tendo sido feito o trespasse ao Restaurante 7 Velhos em 1996.
PROPRIEDADE E VENDA DO EDIFÍCIO
“O processo judicial de execução foi demasiado rápido, até porque pelo meio ocorreram as férias judiciais entre os dias 22 de dezembro de 2021 e 3 de janeiro de 2022”, refere Paulo Pinto, advogado do Restaurante, acrescentando que há diversos aspetos a ter em conta, como, por exemplo, o facto de a venda ter sido feita por negociação particular e não leilão eletrónico, “que é o processo habitual de venda neste tipo de situações”.
Os documentos consultados pelo NOTÍCIAS DE FAMALICÃO mostram que a ação de execução deu entrada no Tribunal de Famalicão a 29 de novembro de 2021, o pagamento foi efetuado no dia 28 de janeiro e o contrato de compra e venda assinado em 11 de fevereiro.
O advogado destaca ainda que “a Câmara de Famalicão tem conhecimento de que a senhoria é apenas usufrutuária do edifício”. De facto, os documentos municipais consultados referem que “o prédio em questão faz parte de herança indivisa aberta”, “cujo usufruto” foi deixado à viúva do proprietário. O Código Civil estabelece que “usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância”.
O Município de Famalicão, na qualidade de executante da ação, poderia ter solicitado a adjudicação do imóvel, mas não o fez. O edifício foi vendido por 300 mil euros à empresa URBILUXUS, sediada na Trofa e propriedade de Domingos Menezes. Desse total, 130.213,70 euros reverteram para o Município de Famalicão no âmbito da ação executiva para cobrança dos gastos com as obras no edifício.
Fontes ligadas ao processo revelaram ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO que o edifício tem um valor estimado de cerca de um milhão de euros e que proprietário terá deixado, em testamento, a propriedade do imóvel à Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Famalicão e ao Município de Famalicão para ser destinado para fins de interesses públicos.
Localizado no coração da cidade, no cerne das vias que faziam a ligação de Braga ao Porto e também de Famalicão a Guimarães, o prédio, propriedade de Zeferino Bernardes Pereira, uma grande personalidade da história famalicense, tem elevado valor histórico.
O INCÊNDIO
A situação remonta há 10 anos, quando um incêndio destruiu parte do edifício.
O incêndio deflagrou na madrugada do dia 13 de março de 2012, no salão de cabeleleiros localizado no primeiro piso do edifício. No rés-do-chão funcionava o Restaurante 7 Velhos, e ainda um quiosque e um barbeiro. As chamas destruíram a cobertura e o primeiro piso. O rés-do-chão não foi destruído pelas chamas, mas ficou danificado pela água.
“Uma vez que íamos assumir os custos, a senhoria deu-nos permissão para a realização das obras, mas Câmara Municipal não concedeu autorização”, refere Álvaro Velho, acrescentando que continuaram a tentar conseguir autorização para a realização das obras no interior do edíficio principal, fizeram obras de reformulação no prédio anexo, onde o Restaurante passou a funcionar a partir de janeiro de 2013.
POSSE ADMINISTRATIVA
Em 2014 a gerência do Restaurante foi surpreendida com uma notificação de que dava conta de que o Município de Famalicão teria a posse administrativa do restaurante por seis meses, para a realização coerciva de obras “de limpeza geral no interior da construção, retirando os escombros existentes, bem como a reposição de todo o exterior como estava antes do incêndio”, lê-se no documento.
Em 2015 a autarquia enviou uma notificação a dar conta de que o início das obras estava agendado para o dia 15 de setembro com “a duração previsível de seis meses”. O mesmo documento referia que devido à natureza das obras poderia vir a ser necessário o “encerramento temporário do Restaurante 7 Velhos”.
A gerência do Restaurante foi informada que, por razões de segurança, seria necessário desocupar todo o espaço. Nesse sentido, informou aos clientes sobre a suspensão temporária das atividades e entregou as chaves à Câmara Municipal.
“As obras duraram mais que os seis meses inicialmente previstos e, quando acabaram, as chaves não foram devolvidas. Solicitávamos as chaves à Câmara e respondiam que as chaves estavam na posse da senhoria. Contactávamos a senhoria que dizia que as chaves estavam na posse da Câmara de Famalicão”, refere Álvaro Velho, acrescentando que as chaves foram devolvidas apenas em 2018.
Ao efetuar uma vistoria no edifício o proprietário do Restaurante teve uma “surpresa”, constatando a necessidade de fazer obras não apenas no interior do edifício, mas também no prédio anexo.
“Durante as obras realizadas pelo Município deitaram abaixo as casas de banho e a cozinha do prédio anexo. Até hoje não sabemos o motivo. Tínhamos feito obras de remodelação nesse espaço depois do incêndio e tudo estava a funcionar bem”, salienta Álvaro Velho.
“Como não podíamos retomar a atividade do Restaurante nem no edíficio principal, nem sequer no anexo, contratamos um arquiteto para apresentar um projeto e pedido de licenciamento nos serviços municipais, mas veio a pandemia e tudo se tornou mais lento e complicado”, acrescenta este responsável.
A situação manteve-se inalterada até que em fevereiro deste ano as fechaduras do imóvel foram trocadas e deixaram os responsáveis deixaram de ter acesso ao edifício. Ao serem informados da venda, contactaram a empresa que adquiriu o imóvel “que disse que não reconhecia o nosso direito”, refere Álvaro Velho.
EDIFÍCIO HISTÓRICO
Numa edição de 2010 do Boletim Cultural editado pela Câmara de Famalicão a casa de Zeferino Bernardes Pereira aparece referenciada como um das casas dos republicanos famalicenses onde foram colocadas placas de homenagem.
O mesmo documento, escrito pelos historiadores locais Artur Sá da Costa e Amadeu Gonçalves, refere que para a preservação do património histórico destes edifícios que fazem parte da memória e da história coletiva de Famalicão alguns destes imóveis deveriam estar classificados como “imóveis de interesse municipal”.
Falecido em 1929, Zeferino Bernardes Pereira foi um dos republicanos famalicenses históricos. Foi vereador da comissão administrativa da Câmara Municipal famalicense até 1913 e o 1.º presidente eleito na República em 1914 nas eleições municipais.
Aparece, pela primeira vez, na Comissão Republicana Municipal em 1906 como substituto, aparecendo logo em 1908 já como candidato efetivo. Em 1910, surge na Comissão Administrativa Republicana que tomou posse em 8 de outubro de 1910, tendo sido eleito presidente da Câmara de Famalicão em 1914.
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