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Vila Nova de Famalicão
Quarta-feira, 29 Janeiro 2025
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.

Famalicão em tempo de balanço

O último ano dos quatro do mandato é o de todas as festas, iniciativas e fotografias, e da ubiquidade, se possível.

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Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.

Famalicão

A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão tem para gerir neste ano de eleições autárquicas um orçamento de 219 milhões de euros. Face aos 136,5 milhões do orçamento de 2021, regista-se um aumento de 60 por cento. É só milhões, mas à custa do PRR, e depois logo se verá!…

Diz-se que é o maior orçamento de sempre, o que está certo, pois assim tem sido todos os anos, em geral… A propósito, melhor não diria o triste mas celebérrimo almirante Américo Thomaz quando, regressando a uma cidade que tinha visitado outrora, e sempre inspirador, começava o discurso dizendo que era a primeira vez que regressava depois da última vez em que ali tinha estado.

Agora que outro almirante quer deixar a escotilha dos submarinos do Portas, para navegar nas águas brumosas da política, só me falta saber com que verdadeiras intenções e projeto presidencial tem para o País…

Mas vamos ao orçamento da Câmara Municipal de Famalicão para 2025. “Este é um orçamento que nos permite estar hoje melhor que ontem e amanhã melhor que hoje”, disse o edil, num registo equivalente ao do provérbio popular alentejano, segundo o qual “mais vale uma mão inchada que uma enxada na mão!” Soberbo!

O dinheiro, como sabemos, é de todos nós, mas a sua distribuição tem de ter como objetivos superiores servir as populações e beneficiar o bem comum.

Orçamento de 219 milhões, com um volume de investimento de 77 milhões. Uma coisa nunca vista. O que é que isto quer dizer?… Um terço apenas de toda esta bagalhoça é para investir em quê?…

Ainda não sabemos tudo, mas eu adianto algumas pistas: serviço da dívida, quanto?… Aqui não tem mal nenhum, pois é uma estratégia inteligente, isto é, procurar trabalhar com financiamento e recorrendo ao crédito, mesmo que um iluminado tenha confundido tudo isto com débito/dívida da autarquia que era, sim senhor, poderosa e sustentável, se se quiser; a questão maior, porém, é saber para onde vai o resto, que é muito, muito mesmo. Quase tudo dinheirinho que é de todos, não é senhor presidente?…

Não se sabe mesmo quantos políticos a tempo inteiro e suas excessivas mordomias, gabinetes, carros, telemóveis, adjuntos, secretárias e outras gáspeas hodiernas ao nível de seguros e alimentação e o que mais pinga e nos escapa.

O dinheiro, como sabemos, é de todos nós, mas a sua distribuição tem de ter como objetivos superiores servir as populações e beneficiar o bem comum, e não, como no comunismo mais reles, ser uma ação discricionária, volúvel, lasciva e egolátrica, só com a finalidade de manter o poder pelo poder.

Os famalicenses merecem mais respeito. E merecem um poder municipal que respeite as regras democráticas e que as valorize. Um poder municipal que não considere as reuniões de Câmara e da Assembleia Municipal como obrigações incómodas e dispensáveis, encarando as oposições como todas iguais e que só dificultam o andamento mais célere dos negócios e dos projetos, pois que não há tempo a perder com a permanente e sempre maçadora fiscalização.

Para quem estiver atento, será fácil fazer as contas e avaliar o que vai por aí de desmandos, influências e desvarios. Tantos são os figurantes a mandar em grupos, grupinhos e grupelhos de principiantes com arrufos de poder e a dar ordens e contraordens…

E, finalmente, as obras; obras por toda a parte que é o ano derradeiro de quatro, nem que seja só para engraxar e puxar o lustro, depois de levantar o pó. O último ano dos quatro do mandato é o de todas as festas, iniciativas e fotografias, e da ubiquidade, se possível.

Num dos últimos jornais assalariados, o número das suas fotografias chegava a 13! Num jornal só e num jornal a que falta vergonha de parte a parte, jornal e políticos, que só querem bombos e mostrar o umbigo saliente e exibir ainda aquele ar empoado e cerúleo, distante e grave, como de seres extraterrestres se tratassem.

Ah! Há ainda as dívidas, aquelas chatas dívidas, pois que mesmo os amigos não perdoam, sobretudo quando querem começar a receber por conta e, como se a tesouraria do município fosse uma vaca leiteira, esperando que não cheguemos nunca mais a tempos de passar cheques sem cobertura ou a somar largas dezenas de declarações de dívida que na cidade – então vila – não havia quem fiasse um quilo de pregos ou de blocos de cimento à Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Aconteceu entre 1982 e 1983, quando assumi a presidência do município. E os documentos ainda hoje são verificáveis para os prosélitos de S. Tomé.

E que significado tem abdicar, ou seja, deixar de receber 500 mil euros (meio milhão de euros!) de IMI e mais 250 mil euros de IRS, em 219 milhões, em prol dos fregueses de todo o município? Pouco ou nenhum, mas dá títulos em tempo de falta de ideias ou de quem as fabrique nos jornais, sempre às curvas e de chapéu na mão!

Depois temos o saco de notas para as Juntas de Freguesia. São 8,4 milhões para as 34 Juntas de Freguesia (que integram as 49 comunidades existentes no concelho de Famalicão), certamente dinheiro sempre bem gasto e sem relaxações. Nada a opor, que esse é o dinheiro sempre mais bem aplicado e fiscalizado, apesar de algumas girândolas de fogo de artifício nos últimos meses. O problema é que esses 8,4 milhões de euros para as freguesias representam apenas 3,8% do tal orçamento da história.

Quanto dá isso? Um pouco mais de 170 mil por cada uma das 49 comunidades famalicenses, o que dá apenas para meia dúzia de encargos e obras de piedade e solidariedade.

O que é perturbador é que o povo aceite este estado de coisas. Um povo que foi tão humilhado, rebaixado e desrespeitado, anulado, abusado e vilipendiado durante o fascismo que, ainda hoje, se humilha e sujeita a ir buscar e pedir coisas, como se fosse natural, mas que não é nada compatível com os direitos humanos e o respeito pelos outros, após 50 anos de vigência da democracia.

Isto para não falar da submissão popular perante a sempre atávica caridade cristã, que encobre muitas maldades, vícios e estupidez.

Os famalicenses merecem mais respeito. E merecem um poder municipal que respeite as regras democráticas e que as valorize.

Se eu tivesse todo esse dinheiro não perderia tempo em festas, festinhas, festarolas e festanças, que o tempo de pão e circo já lá vai e gastá-lo-ia quase todo com as pessoas, pois o nosso índice de infraestruturas básicas é mais do que satisfatório.

O que precisamos é de creches e infantários, escolas e centros de saúde, escolas profissionais, centros de artes, música, desporto e novas tecnologias, apoios a universitários, recuperação urbana total na cidade e vilas, centros sociais e de lazer, mais lazer, que “um homem não é de pau”, como escrevia o inefável Trindade Coelho ao seu pai, desde Coimbra, mais centros geriátricos, passeios a Viana, Vila Real, Douro, Porto e Aveiro ou Coimbra, à beira mar e pontos turísticos da região, pavilhões desportivos e animadores desportivos, bibliotecas e audiovisual e multimédia, enfim, além de água, saneamento, estradas e passeios, jardins, parques e limpeza dos rios.

Ainda e sempre a fixação de empresas, melhoria dos transportes, heliporto, continuação da VIM de Joane até Braga, metro de superfície para ligar Famalicão ao Porto e às cidades do Minho, parque de estacionamento na Praça D. Maria II, novo parque subterrâneo de estacionamento desde o topo da rua Manuel Pinto de Sousa a poente até à Avenida Carlos Bacelar, zona escolar e desportiva, habitação, habitação, habitação… e PDM participado, discutido, consensual q.b., discussão pública de fotovoltaicas, limpeza de rios e conservação de açudes, praias fluviais, variante Ribaínho desde Moutados/Devesa/Barrimau/Meães, nova variante de Vermoim, Pousada de Saramagos, Joane e Ronfe, expansão a norte do Parque de Sinçães, Pavilhão Multiusos de Famalicão (onde e quando?), etc.

De resto, chega de supermercados e grandes superfícies, que já vi perderem eleições em França, na área de Paris, por terem supermercados a mais!… Vila Nova de Famalicão tem excesso de oferta e as grandes superfícies só interessam aos novos-ricos ou para matar de vez o comércio local e tradicional e exibir os chiques dos Porches, Ferraris, Bentleys, e Aston Martin…

Mais diálogo, disponibilidade e olhos abertos para os mais pobres, mais velhos, sem emprego e sem casa e menos opacidade, vaidades, soberba e unhas aduncas, altanaria e olhar olímpico sobre a multidão, que toda a nossa vaidade e estatuto social esfuma-se e apaga-se em dois metros de sepultura, mesmo que se trate de um qualquer mausoléu.

Caminho de pé e, com 82 anos de vida, tenho sol na alma suficiente para continuar a caminhar, e sempre em frente, que o meu maior mal é ter olhos e distinguir bem entre olhar e ver e, nunca por nunca, fazer de conta, ou pior, ser politicamente correto e conformar-me. A resignação não é da essência do Homem. Ser Homem é ser descontente.

Ser descontente com coisas mal explicadas. Como o escândalo das Pateiras do Ave, na freguesia de Fradelos. Onde se viu coisa igual? Porque perturbadora, violenta e sem sentido, seja qual for o númen ou o deus que se adore.

Temos ainda as fotovoltaicas que descabeçam e decapitam os nossos montes verdes. Temos a análise do problema do estádio municipal. Temos a falta de estacionamento na cidade e arredores, tanto para automóveis ligeiros, como camiões e transitários internacionais, ou não fosse Vila Nova de Famalicão, há muitos, muitos anos, um concelho com vocação exportadora. Temos ainda o problema nunca debatido do destino a dar às básicas desativadas – algumas delas ao serviço de estruturas ditas associativas que são autênticas empresas.

Não faltam ideias e projetos. Haja vontade de servir o povo e o bem comum. Mas é preciso diálogo com os famalicenses e respeito pelas diferenças. E, neste caso, o exemplo só pode vir de cima. Só assim será possível continuar a construir um concelho de Famalicão no qual todos sintam que são uma parte ativa.

 

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Agostinho Fernandes
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Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.
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