13.5 C
Vila Nova de Famalicão
Quarta-feira, 4 Dezembro 2024
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.

Ética a Nicómaco

Os deputados não são deuses e por tal, erram. Se erram têm que mudar.

7 min de leitura
- Publicidade -
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.

Famalicão

Esta é entre uma infinidade delas, uma das razões porque a democracia, lembrados que estão ainda, certamente, daquele episódio havido recentemente na Assembleia da República, e com o senhor presidente da mesma, entre todas as outras formas de regime, é, contra ventos e marés, a melhor forma de governar os povos, o que não quer dizer, mais fácil, simples ou eficaz. Mais. É por ela e todo o ensejo que me dá para sair a terreiro precisamente no momento em que muitos milhares de portugueses saíram à rua nas maiores cidades de Portugal para celebrar a gloriosa data de 25 de Abril de 1974, honrar os militares e proclamar bem alto que o espírito do 25 de Abril está bem vivo e bom será que assim continue entre nós!

E o que é ser eficaz neste acabrunhado mundo em que vivemos, sempre igual e diferente, com milhões de anos de vivência e descobertas de si e dos outros, sem alterar, melhorar e estabilizar, como na velha Albion com a Magna Carta em 1215, por exemplo, a melhor forma de governo, provados que estão os seus altos e humanistas princípios ativos e fortes razões de toda a ordem?…

A vida humana e seus direitos, a tranquilidade da coisa pública, o respeito por tudo e todos, não seriam motivos desde sempre para melhorar as áreas do direito, civismo e tolerância, entreajuda entre pessoas, povos e países do mundo inteiro?…

A guerra devia ser banida pura e simplesmente e nesse dia sem igual os homens teriam mudado todo o sentido da curta vida humana sobre a Terra. Quanto se gastou em guerras desde sempre? E porquê?… Porque a guerra é “aquele monstro” no dizer do imortal imperador da língua portuguesa. Mas, e a inteligência para que serve?… Para fazer o mal e dar cobertura às paixões ocultas e malvadez do ser humano.

Eu sei que somos bichos como todos mas, pelos atributos que dizem termos, devíamos ser bem melhores que todos, na selva e florestas, cidades e aldeias, enfim, mesmo no deserto, pensar antes de agir e colocar-se sempre na situação do outro, o que não é assim tão universal, como seria de esperar, e daqui aquele “desconcerto do mundo” de que falava o nosso maior poeta de todos os tempos, Luís Vaz de Camões, agora que passam os seus 500 anos do nascimento, em 1524. Alguém de nós tem a pretensão de ser recordado daqui por 500 anos, aí por 2.500 anos depois de Cristo?…

O que não seria este planeta se desde sempre nos tivéssemos programado para a cooperação e entendimento durante todo o processo histórico?… Inimaginável, neste momento, tantos são os recursos, os recuos e as guerras, os conflitos e caprichos, vaidades e ambições desmedidas que comandam os homens e lhes fazem perder a cabeça, juntamente com as nossas mulheres.

E caio, sem pensar, naquele veredicto maluco de Napoleão quando dizia que só era possível governar os povos pela via da religião ou pelos canhões, o que considero totalmente absurdo, deprimente e afrontoso a todos os seres humanos… E será Napoleão um ser humano que mereça o qualificativo quando ousa pensar desta maneira?…

Quando o senhor presidente da Assembleia da República é tão liberal e descomprometido pela resposta universal que deu, que esperar?… O que é isto e que República temos? É por ser um ilustre advogado, não ter grande quilate moral e pensar que não há pecado/culpa formada e tudo se pode resolver no campo das ideias propriamente ditas ou na barra dos tribunais?…

Não, senhor Presidente. Uma árvore cresce na verticalidade entre tormentos, por vezes, e não sei também como terá educado seus filhos e, muito menos, como interpreta a jurisprudência neste caso de manifesta agressividade, destempero e falta de respeito por tudo e todos e se vai investir em mais paciência, dialética, diálogo e bom senso, mas não no sentido cartesiano, pois que uma coisa é certa: liberdade não é libertinagem nem o tão apregoado bom senso é coisa que nem sempre abunda, ou melhor, nem está bem repartido.

Pode um deputado dizer o que quer/pensa? Pode. E depois? Pode atirar um ovo podre ao Presidente da República? Pode. Pode dar um “ar impurum” aristotélico? Claro. Dar um murro? Pode. Deve?… Pode mofar e fazer escarninho com as colegas deputadas?… Se pode…

Uma coisa é dizer o que se pensa e deve… ou podemos, na Assembleia da República, deixar de pensar nos direitos, garantias, liberdades e deveres? Os senhores deputados só têm direitos e liberdades ali dentro? E os deveres ficam só para todos os de cá de fora?… Mas que República é esta que permite até à exaustão que Catilina abuse e reabuse da nossa paciência repetidamente, como lembrava o grande tribuno romano Cícero, até quase cansar do seu habitual, reles e bacoco “pornoshow”?!…

A boca serve para muitas coisas, até para estar calada e por isso se diz que em boca fechada não entra mosca. Como é possível, então, deixar de onde, quando e como for achado conveniente pelo senhor Presidente da Assembleia da República, em face dos senhores deputados mais exaltados, entusiasmados, safados e pouco avisados, impunes e livres de qualquer constrangimento, agir de imediato nos termos do regulamento e até constitucional?!…

Pensamos todos que os deputados serão pessoas idóneas, digo, são melhores que todos, e então como é possível ouvir e dizer tudo sem regras e limites, como se fossem o terminal digital do oráculo de Delfos, sem decoro e respeito, sem rei nem roque?…

Até se poderia dizer tudo o que se quer mas, como diz o povo com toda a propriedade e sageza popular de séculos, quem diz tudo o que quer, ouve o que não quer. É isso mesmo, senhor Presidente.

Tal como as árvores crescem tortas à beira-mar, por motivos vários, também os senhores deputados não atuam com base na verdade toda e só, honestidade e seriedade e daqui que não concordemos com o senhor Presidente. Os deputados não são deuses e por tal, erram. Se erram têm que mudar. O que está aí a fazer? Cronometrista em prova de atletismo? VAR sem efeitos?…

Querer, poder, fazer, dizer, gesticular e… dever!…

Há quem queira mas não pode e o contrário, como há quem faça sem poder ou querer. E o dever?… É para os outros? Os senhores deputados podem, querem, dizem e fazem. Muito bem. E o dever chega quando?… Para receber as ajudas de custo e contar a presença em reuniões supostamente de trabalho, mas de boca fechada? Qual a fronteira entre a liberdade/libertinagem para eles e todos nós?… Ou teremos que voltar aos calhamaços do filósofo de Koenigsberg e seu “Kategorische Imperativ” ou mesmo reler o criador de Zaratustra e a sua genealogia da moral? Muito poucos conhecem a subtil doença do poder, quase como a hidra de Lerna, como se tudo isto não passasse de uma dança de percevejos em enxerga bafienta e podre e de que o senhor presidente é o guarda do inseticida…

Esperamos que o deputado se comporte como o senhor presidente da Assembleia da República… E se ele não se comporta?… Tirar-lhe a palavra e cortar-lhe as unhas ou… diz o que quer, faz o que quer, atropela e ignora quem quer… e o senhor presidente aprova, dá-lhe conselhos e há explicações particulares em bastidores, porque é deputado imune, quase sacrossanto, contra tudo e todos? Ou pode e intervém?

Não sei mesmo onde o senhor presidente encontrou fundamento para proceder assim, como se tudo fosse perfeito e nascessem ensinados, como se fossem livres e iguais, anjos e passarinhos e depois, depois… vê-se! Cheira-me até um poucochinho àquele ar diáfano e ático, rarefeito e cerúleo da Ética a Nicómaco. Será?…

Encarrapite-se, Senhor Presidente, e mostre quem manda que a tolerância exercita-se mas com quem a merece. Parece a eterna história do ovo e da galinha. O deputado é livre e faz e diz o que quer porque, pensa Vª Excelência que depois, pelo voto, o cidadão vai avaliar na hora final, ponderadamente, tudo isto. Esqueça, Sr. Presidente. Homens, deputados e perús, é o que sai, dizia minha mãe. Como vai o Sr. Presidente distinguir entre répula tão versátil e convencida os homens que o são, e os perús, digo, de animal farm, que nunca serão homens?… Deputado é apenas um adereço circunstancial limitado no tempo e espaço e, entretanto, se não preferir Aristóteles nem o Maquiavel…tem sempre a Ensinança de bem cavalgar toda a sela do nosso rei D. Duarte que a história cognominou de prudente e que pode ser uma leitura proveitosa de férias entre latadas aqui nas proximidades do rio Ave…e creia ser um conselho leal que estou a dar, com todo o respeito…contra tudo e contra todos, pois que é quem permite estes desvios, desmandos e outros jogos florais bem lamentáveis, por certo!…e contente-se com aquele desabafo de um seu homónimo em tempos de 1ª república…isto é…dê a jornada por bem ganha quando no fim de cada dia verificar que, afinal e bem vistas as coisas…conseguiu com muita paciência conduzir todos os perus ao bebedouro do regimento ou manjedoura…praticamente a mesma coisa!…

Observação – “Ética a Nicómaco” é o título de um livro de Aristóteles em que o filósofo grego investiga o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta, levando em conta a situação concreta do Homem, um ser que está acima do animal, mas que não pode ser definido apenas pela pura razão. Neste meio-termo se colocará o que se deve entender especificamente por virtude.

____________________

Os artigos de opinião publicados no NOTÍCIAS DE FAMALICÃO são de exclusiva responsabilidade dos seus autores e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

Comentários

Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Atualidade

O conteúdo de Notícias de Famalicão está protegido.