Nasci na casa de uma família de agricultores, na freguesia de Cavalões, concelho de Vila Nova de Famalicão, e, por isso, aprendi desde muito cedo que os alimentos vinham da terra, que o leite vinha das vaquinhas e que o ar que respiramos vinha das árvores.
Essas vivências da infância moldaram para sempre a minha visão sobre a importância do mundo rural, inclusive, para o fortalecimento das cidades e da qualidade de vida urbana.
Tenho hábito de ir ao Mercado Municipal de Vila Nova de Famalicão, todos os sábados, comprar aos pequenos produtores as frutas da época e os legumes mais saborosos, que ainda se cultivam nos campos famalicenses e da região.
Dentro do mercado procuro as vendedoras e os vendedores informais, geralmente pessoas idosas, que vivem da sua reforma miserável, que estão ali, depois de uma semana de trabalho, para ganhar mais alguns euros, vendendo os ovos das suas galinhas, as favas, as batatas ou as couves do seu quintal.
No sábado, foi o último dia do mercado provisório, nas instalações da Fagricoop – Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de Vila Nova de Famalicão, o espaço onde a Câmara Municipal reinstalou os vendedores enquanto decorreram as obras de remodelação do mercado que o Presidente Álvaro Marques construiu na década de 1950.
Para os vendedores, o dia 24 de abril de 2021 era o último dia do mercado provisório antes da mudança para as renovadas instalações, que são inauguradas este domingo – apesar da subida dos casos de covid-19 no concelho.
Contudo, ao contrário do que seria de esperar, para a maioria dos pequenos vendedores informais daquilo que a terra dá não era um dia de expectativa positiva face à mudança. Pelo contrário, era de lamento e preocupação. O que foi surpreendente.
Os pequenos vendedores informais queixam-se de ser esquecidos pela Câmara Municipal (“Agora só pensam nos restaurantes e nos bares”, ouvi), a começar pela subida do preço do metro quadrado que têm de pagar pelo espaço que ocupam.
A partir de agora têm de pagar €1,50 por metro quadrado, o que, segundo me disseram, “é mais do dobro”. “Este presidente deve estar pirado da cabeça”, comentava uma das vendedoras.
Aparentemente, esta gente humilde que vive de amanhar a terra – que não sabe postar nas redes sociais ou chegar às notícias nos jornais –, tem o seu lugar no chamado Mercado dos Lavradores, o nome pomposo com cheiro a terra que parece existir no “novo” mercado. Ou Praça, como também se chama. Mas estão descontentes e sentem-se maltratados.
Paralelamente, reparei no comportamento do presidente da Câmara Municipal na semana pré-inauguração. Foi diversas vezes ao novo mercado ver como estavam as obras, posou para fotografias e gravou entrevistas, mas esqueceu-se de um pormenor que diz muito da sua forma de servir as pessoas e a causa pública. Esqueceu-se de ir ao velho mercado provisório, no último dia, para dar uma palavrinha aos vendedores e verificar se estava tudo bem com a mudança.
As prioridades do presidente da Câmara parecem ser outras. E estão longe da realidade e do pulsar da sociedade famalicense. E isso vai-se notando nas trapalhadas a que temos assistido nos últimos meses, seja nas questões de política partidária, com as indefinições e traições que dilaceram a coligação PSD-CDS, seja numa gestão municipal atabalhoada e sem nexo, como demonstra a falta de programação coerente das obras em curso na cidade.
Se há 69 anos, o então Presidente Álvaro Marques inaugurou um Mercado Municipal para o povo de Famalicão, hoje, o Presidente Paulo Cunha inaugura uma Praça para uma elite de “amigos” e alinhados.
O que era para ser uma remodelação, tornou-se uma das obras mais caras da história do município. A campanha de marketing criada para o efeito diz tudo, ou quase tudo. Estamos, portanto, perante uma obra que exclui o povo em vez de incluir.
É claro que isto vem na sequência de oito anos em que a mistura entre a coisa pública e a coisa privada se tornou cada vez maior, ao ponto de os próprios responsáveis municipais já não saberem bem o que é isso do domínio público e do domínio privado.
Obviamente, um dia, isto vai dar mau resultado.
Post scriptum – Hoje é o dia 25 de Abril de 2021. Mais do que nunca é preciso celebrar Abril e os seus valores. Viva a democracia democrática! Viva a liberdade!…
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