“Enquanto me sento nos cantos da sala, sozinho
Vejo os rapazes nas suas blusas de Verão
Enquanto escrevem, suas cabeças redondas curvadas:
E um após outro ergue
A sua face para me olhar,
Para ponderar muito calmamente,
Enquanto vendo, ele não vê.
E então ele vira-se de novo, com um pequena, alegre
Excitação ele vira-se de novo de mim,
Tendo achado o que queria, tendo obtido o que era para ser obtido.”
– excerto traduzido do poema “The Best of School” (“O Melhor da Escola”),
do poeta inglês D.H. Lawrence
Desde cedo que nos instigam a ler e a desenvolver a nossa escrita, quer seja na escola, quer seja em casa. Isso é certo e cada vez mais as instituições de Ensino Escolar e Ensino Superior tentam investir em disciplinas de Escrita Criativa; cada vez mais as escolas tentam mudar os seus programas de ensino da Literatura e as respetivas abordagens para tornar a Literatura mais apelativa, mais descomplicada, menos castigadora das mentes juvenis dos alunos. Contudo, continua a ser insuficiente e algumas reformulações estão longe de ser as ideais.
Após ter lido este mês uma reflexão na coluna “Pensamentos Inquietantes” (coluna que tem tido artigos interessantes sobre as artes e a sociedade) sobre a urgência de uma revolução no ensino escolar, achei adequado pegar nessa ideia de revolução e levá-la para o lado da Literatura e das Humanidades, que são uma das áreas onde mais se precisa de reformulação. Também é uma influência o excerto do poema “The Best of School” deixado acima em epígrafe, excerto esse recitado pelo escritor Abdulrazak Gurnah no seu discurso de vencedor do Prémio Nobel da Literatura 2021.
Primeiro que tudo – antes que o artigo ofenda algumas pessoas – há que clarificar que nem todas as escolas são más e nem sempre a culpa são dos professores. No geral, o problema também parte dos ministérios e secretariados interessados. Também tenho de salientar que tive a sorte de ter alguns professores de Língua Portuguesa e de Literatura que me souberam incutir o prazer pela Literatura.
Contudo, há que admitir que, atualmente, face ao que já acontecia há 10 anos atrás, os jovens conseguem desprezar cada vez mais a leitura e a Literatura. Com uma sociedade aceleradamente tecnológica e industrial e científica, os jovens cada vez mais se agarram às novas tecnologias e, ao mesmo tempo, procuram aquilo que é prático, aquilo que é fácil, aquilo que dá dinheiro. Daí que vejamos muitos jovens a seguir Medicina e Engenharias ou até cursos técnicos/profissionalizantes.
Com isto, não estou a dizer que sejam carreiras menos nobres como as Letras, porque, na verdade, são carreiras igualmente nobres. Contudo, tudo o que é relacionado com as Humanidades e o espírito criativo é mais desvalorizado e eu, enquanto antigo aluno do Ensino Escolar e atual mestrando de Literatura Inglesa, sinto isso.
Quando andava na escola, lembro-me de que, no início do ano, nos era apresentado um plano das obras que tínhamos de ler e estudar (algo que ainda se faz na escola atualmente e que é feito também na Universidade). Os programas eram conhecidos por serem rígidos e possuírem obras grandes, obrigando os alunos a aprenderem em contrarrelógio para, no fim, debitarem as obras nos testes e nos exames nacionais. Temos logo aí um fator desmotivador para os alunos, sobretudo quando estão numa idade muito fresca em que prezam a vida e os seus hobbies.
Ademais, estas obras vinham com uma panóplia de interpretações já escritas e pensadas, interpretações essas que tínhamos de reter como algo absoluto e inquestionável. Alguns professores levavam isto muito a sério, enquanto outros até tentavam flexibilizar. Quem me conhece sabe que eu rejeito esta ideia das coisas absolutas e inquestionáveis. Como já tinha escrito na primeira crónica do “Literatura Circular”, a Literatura tem o poder de acrescentar novas visões às visões já existentes através das suas histórias e de possíveis “remakes”.
Nunca gostei que me impusessem ideias como “Rimbaud é perigoso e obsceno” ou “A Poesia parte da inspiração das musas” ou “É demasiado cedo para se ler Orwell, Nozick, Neruda e Bukowski”. Acredito que os jovens não devem ser impedidos de conhecer, não devem ter medo de descobrir. Os jovens devem ter acesso à erudição e a todas as formas literárias. Acredito que a educação inteletual de um jovem não deve ser cingida a meia dúzia de livros por cada ano letivo e a meia dúzia de autores canónicos.
Contudo, quando é para lecionar autores excelsos, também rejeito a ideia de se filtrar certas obras, sendo muitas dessas filtragens incompreensíveis. Ainda são recentes as contestações à obra de Padre António Vieira com o argumento de que o mesmo é esclavagista. Quem esteve atento nas aulas sobre o autor, saberá que ele foi perseguido pela Inquisição pela seu caráter libertário.
Também é recente a eliminação (ou tentativa de eliminação) da “Ode Triunfal” dos programas escolares portugueses por alegação de obscenidade. Quem ler bem o poema de Álvaro de Campos, verá que não há nada de sexual nesta ode e que toda a “excitação” do sujeito poético é meramente simbólica e respeita apenas à evolução tecnológica e industrial do país na era em que escreveu os versos.
No entanto, estas pequenas censuras literárias nas escolas não é algo apenas português. Houve uma recente tentativa de revogação da obra “To Kill a Mockingbird” (clássico de Harper Lee) do programa de um liceu na Escócia, por ser considerada problemática. Esta é uma das obras “problemáticas” que o liceu James Gillespie de Edimburgo quis remover dos seus programas, receando talvez uma insubordinação dos alunos perante a sociedade.
Receio de subversão dos jovens é aquilo que também acontece nos Estados Unidos, onde há vários estados conservadores que ignoram o Plano Nacional de Leitura e proíbem os seus jovens de ler “The Catcher in the Rye”, livro de J.D. Salinger que ficou (injustamente) com má fama por ser o livro favorito do assassino de John Lennon e do atirador que tentou matar Ronald Reagan (e de vários outros assassinos).
Perante isto tudo, o que se deve fazer para tentar reverter realmente este desprezo da Literatura pelos jovens? Primeiro que tudo, diria que os programas e as aulas deviam ser realmente flexibilizados. Não basta ensinar livros diferentes de ano para ano. Não basta alternar entre “Os Maias” e “A Cidade e as Serras”, alternar entre “Auto da Barca do Inferno” e “Auto da Índia”.
Os professores devem ter uma maior liberdade para dinamizar as suas aulas, assim como os alunos devem ter liberdade de exprimirem suas ideias sobre os livros. O ensino da Literatura não pode (nem deve) ser limitada a uma sala de aula onde o professor disseca “Orfeu Rebelde”(de Miguel Torga) e “Só” (de António Nobre), enquanto os alunos têm na mesa os livros de apontamentos da Europa-América.
Outra ideia que surgiu há uns anos atrás numa conversa com um camarada meu do Sarcasmos Irónicos era a criação de uma disciplina de “Literatura Geral”, disciplina onde seria lecionada desde cedo ao aluno as obras da Literatura Universal, sejam essas obras portuguesas, francesas, chinesas ou russas. A ideia primária seria dar uma formação literária abrangente ao aluno, para que o conhecimento dele não se fique pelas obras de Gil Vicente ou de Sttau Monteiro.
Esta disciplina poderia até substituir a Literatura Portuguesa Ensino. No fundo, uma disciplina desta natureza viria também a libertar a disciplina de Língua Portuguesa, encarregando-a apenas de ensinar a língua.
Para ajudar a uma maior aprendizagem da Literatura Geral, outra ideia poderia passar também por alargar o ensino das línguas a, pelo menos, 4 ou 5 línguas. Considero que a aprendizagem de mais línguas, para além de desenvolver a escrita e dar capacidades de comunicação com uma sociedade muito globalizada, pode ajudar a entender a Literatura Geral.
Ou seja, isto permite ao aluno ler as obras lecionadas em Literatura Geral nas línguas de origem, compreendendo melhor a ideia do autor (tendo em conta que há más traduções de obras a circular por aí).
No fundo, estas são ideias que poderiam mudar o curso da Literatura no ensino português. É bastante necessária uma transformação do ensino na área literária, pois é um campo do conhecimento que é bastante desvalorizado e, mesmo nas cursos universitários, são poucos os alunos que seguem as Línguas e Literaturas e Culturas e que se especializam até em Literatura. É uma realidade que eu próprio vivo enquanto aluno de Mestrado, onde uma turma de Literatura leva apenas 15 alunos.
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