O projeto privado de construção de um Ecoparque em terrenos agrícolas e florestais na freguesia de Cabeçudos, junto ao nó de acesso às autoestradas A3 e A7, não estava na ordem do dia, mas acabou por ser o assunto mais importante da última sessão da Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão, realizada na noite de sexta-feira, 29 de setembro.
Foi uma noite difícil para o presidente da Câmara, Mário Passos, pois não recebeu dos deputados municipais da coligação PSD-CDS o apoio de que estaria à espera, depois de o deputado socialista Jorge Costa ter aberto as hostilidades com o caso do ecoparque: “Senhor presidente, foi ou não foi a Lisboa, na companhia de um vice-presidente do PSD e de um empresário famalicense?”
Além desta pergunta direta ao presidente da Câmara, o líder do grupo municipal do PS desafiou os partidos da maioria: “O CDS e o PSD estão de acordo com o que se passou em Cabeçudos ou não? Porque eu vejo-os tão calados. Não acham importante dizer aos famalicenses qual é a posição dos dois partidos que sustentam a velha maioria sobre aquilo que se passou em Cabeçudos? Estão calados, porquê?”
CDS DIZ QUE “NÃO VALE TUDO”
Pouco depois, o CDS, através do deputado João Nascimento, abria a caixa de pandora. E para surpresa de todos, tirou o tapete a Mário Passos: “Nestes termos e nestas condições, no entendimento do CDS, a proposta não poderá avançar. E para que não restem dúvidas, esta posição assumida pelo CDS é transversal à representação do partido nos órgãos autárquicos, concelhios, distritais e nacionais.”
“O CDS não é contra a instalação de um ecoparque em Vila Nova de Famalicão, porém – e esta é a verdadeira posição do CDS –, não vale tudo.” E, para que não houvesse dúvidas, Nascimento repetiu: “Não vale tudo!”
João Nascimento ainda acrescentou uma pergunta: “Gostaríamos de saber qual a postura da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão relativamente a este assunto.” Mário Passos ignorou a questão do deputado do CDS, como ignora quase todas as perguntas que lhe fazem nas reuniões da Assembleia Municipal.
PS DIZ QUE “A COLIGAÇÃO IMPLODIU”
Jorge Costa, por seu turno, regressou ao púlpito para celebrar a primeira brecha na coligação PSD-CDS ao fim de 22 anos de poder: “O dia de hoje é histórico. A coligação implodiu hoje. A coligação ou o senhor presidente… Porque andam às avessas perante o mesmo assunto. Este dia fica na história e o CDS merece uma vénia.”
João Nascimento, ripostou: “Senhor deputado Jorge Costa, como compreenderá, agradeço a vénia, pelo respeito que tenho por vossa excelência, mas é para o lado que durmo melhor. A coligação está mais forte do que nunca como terá oportunidade de ver nas próximas eleições.”
DESTRUIÇÃO DOS ECOSSISTEMAS NO ICNF
Na sua intervenção, João Nascimento alegou que a “Câmara Municipal não descurou a fiscalização”, informando que, por iniciativa do vereador do Ambiente, Hélder Pereira, que é do CDS, “foi realizada uma ação de fiscalização no terreno”, de que resultou um relatório que, “por despacho do vereador”, foi encaminhado para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a entidade governamental que tutela locais protegidos, no dia 14 de setembro.
“A intervenção do promotor no terreno – tenha sido por descuido, por desconhecimento ou por outro motivo qualquer –, provocou um abate indiscriminado de espécies existentes e levou à destruição dos ecossistemas. É um facto. E isto não pode deixar de ser um paradoxo. Destroem-se ecossistemas existentes para se propor a valorização de um parque verde e de uma linha de água para contribuir para a neutralidade carbónica. Isto contraria o regulamento do PDM”, confessou o deputado do CDS.
PSD DIZ QUE DESCONHECE O PROJETO
Jorge Paulo Oliveira, líder do grupo municipal do PSD e vice-presidente da comissão política local do partido, parece ter sido apanhado de surpresa e foi o último a reagir, alegando que o PSD desconhece o projeto.
“Se o senhor presidente da Câmara Municipal quisesse, hoje estaríamos aqui muito provavelmente a discutir e a deliberar sobre um pedido de declaração de relevante interesse municipal para aquela intervenção urbanística, porque tem uma maioria absoluta confortável do PSD e do CDS/PP na Câmara Municipal e na Assembleia Municipal”, declarou Jorge Paulo Oliveira.
Destacando que a proposta foi retirada em duas reuniões da Câmara Municipal porque Mário Passos “achou que não tinha condições” para colocar a proposta à votação, Jorge Paulo Oliveira sacudiu o assunto confessando desconhecimento sobre o projeto em causa: “Estamos a discutir o quê? Qual é a proposta? Em que termos? Em que condições? É uma proposta que ninguém conhece. Eu não conheço, o grupo municipal do PSD não conhece e a Assembleia Municipal também não conhece. Como é que o PS quer que nos pronunciemos?”
E Jorge Paulo Oliveira colocou-se à margem do projeto insistindo no desconhecimento: “Se me perguntar se um ecoparque é adequado para o espaço em causa não posso responder. Eu não conheço o processo, não conheço os termos do licenciamento, não conheço os pareceres e as autorizações.”
Dirigindo-se para Jorge Costa, o deputado do PSD destacou: “Não peça que o grupo municipal do PSD se pronuncie por algo que não conhece. E não veja nesta posição nenhuma divergência. Pelo contrário, é mesmo de convergência. Se o senhor presidente da Câmara entendeu que não havia condições para submeter a proposta é porque não havia mesmo. E nós estamos em absoluta concordância.”
“Percebendo o desconforto do senhor presidente da Câmara relativamente a esta proposta nasce esta posição do CDS e do PSD, que está mais do que clara”, disse, por seu lado, João Nascimento, colocando água na fervura das divergências.
AS PERGUNTAS DA CDU
Antes disso, já a deputada Tânia Silva, da bancada da CDU, tinha abordado “o enigma do processo do ecoparque”. Um processo que “tem no projeto o antigo presidente da Câmara” e cuja discussão “causa algum desconforto a este executivo”, referiu a deputada comunista, deixando também algumas perguntas: “Como pode um projeto com a denominação de ‘ecoparque’ constituir mais um desbaste de árvores no nosso concelho? Como pode o promotor deste projeto adiantar-se a qualquer decisão municipal? Qual será a postura do município perante esta inexplicável ação do promotor?”
Refira-se que jornal NOTÍCIAS DE FAMALICÃO tem acompanhado este assunto desde finais de agosto, quando Mário Passos levou à reunião do executivo municipal uma proposta destinada a declarar o projeto imobiliário como sendo de “relevante interesse público municipal”. Um mecanismo fundamental para desafetar para a construção uma área de 20 hectares de terreno que, sem a declaração de interesse público municipal, não pode ser urbanizada nos termos pretendidos. Mas nessa reunião camarária, Mário Passos retirou a proposta e resolveu anunciar uma queixa-crime contra o jornal NOTÍCIAS DE FAMALICÃO. Na reunião camarária seguinte, a proposta seria novamente retirada. De então para cá, nenhum responsável dos partidos da maioria se tinha pronunciado publicamente. Aconteceu agora e com estrondo.
A REAÇÃO DE MÁRIO PASSOS
E Mário Passos, o que disse? Nada ou quase nada. Não respondeu a nenhuma das perguntas colocadas pelos deputados do PS, do CDS e da CDU. E limitou-se a uma intervenção curta e plena de generalidades. Disse o autarca: “Só há um único interesse para mim e para o meu executivo: é o interesse de Famalicão e dos famalicenses. E falar de um ecoparque é defender exaustivamente esse interesse. Estamos a falar de um ecoparque tecnológico. Por eu ter percecionado que os senhores vereadores do PS que têm assento no executivo municipal não tinham a perceção técnica que nós tínhamos, retirei a proposta pela primeira vez, para que houvesse uma apresentação na segunda vez. Entretanto, neste tempo, foi-nos comunicado que houve uma intervenção no terreno. Estou a falar pausadamente para que não haja nenhuma dúvida, nem nas vírgulas. Como o ecoparque tecnológico assenta numa dimensão de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade, e como nós não sabemos se houve qualquer tipo de afetação dessa realidade lá existente, foi por isso que, depois da apresentação, a proposta foi retirada. Porque eu sou muito humilde, e tenho a humildade democrática suficiente para perceber quando devo evoluir e quando não devo evoluir. O território será cada vez mais competitivo, e é com estes projetos diferenciadores que o será. Para que nós ganhemos o futuro, nós temos que ter equipamentos instalados para que sejamos atrativos na indústria tecnológica.”
“FOI OU NÃO FOI A LISBOA?…”
Na sua intervenção, Mário Passos revelou algo completamente novo, mas que não aconteceu: que decidiu retirar a proposta da reunião camarária por ter percecionado nos vereadores do PS um desconhecimento do projeto. Mas nessa reunião os vereadores do PS nem sequer disseram nada, porque o assunto nem sequer foi debatido, tendo o presidente tomado a iniciativa de retirar a proposta e anunciado que ia apresentar uma queixa-crime contra o jornal NOTÍCIAS DE FAMALICÃO.
Quem não ficou satisfeito com as respostas de Mário Passos foi o socialista Jorge Costa. E, por isso, assomou novamente ao púlpito: “O senhor presidente fez de conta que não ouviu a minha pergunta. Foi ou não foi a Lisboa falar com o secretário de Estados Hugo Pires acompanhado por um vice-presidente do PSD e por um empresário famalicense? Os famalicenses querem saber, senhor presidente. Responda, se quiser. Hoje estou solidário consigo. Largos dias têm 100 anos. O PSD diz que não sabe de nada, o CDS demarca-se. O senhor é um presidente cada vez mais isolado e sozinho.” Mário Passos não respondeu e a reunião avançou para o ponto seguinte.
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