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Sábado, 23 Novembro 2024

Cruzeiro Seixas, “um amigo de Famalicão”

Cruzeiro Seixas, que morreu este domingo, aos 99 anos, foi um dos protagonistas mais importantes do movimento surrealista em Portugal. E era o único sobrevivente do grupo “Os Surrealistas”, que defendia uma liberdade poética total que incluía também, e não em pequena medida, a liberdade de pensamento. O seu acervo pessoal está depositado na Fundação Cupertino de Miranda, em Famalicão.

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Famalicão

O mês de novembro levou dois dos últimos ícones do surrealismo português. No último domingo, 8 de novembro de 2020, morreu o mestre do desenho Artur de Cruzeiro Seixas, considerado o último dos surrealistas, com 99 anos de idade. E há 14 anos, também em novembro, no dia 25, tinha morrido o poeta e pintor Mário Cesariny, com 83 anos. Dois amigos improváveis de Vila Nova de Famalicão.

Graças ao investimento do banqueiro famalicense Arthur Cupertino de Miranda num museu de arte contemporânea, há cerca de 50 anos, a cidade de Vila Nova de Famalicão é hoje um polo importante do movimento surrealista.

A Fundação Arthur Cupertino de Miranda, entretanto, soube conquistar a confiança dos artistas Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas, que em vida ali decidiram depositar o seu espólio pessoal, o que deu corpo e dimensão ao Centro Português de Surrealismo criado pela fundação.

Além de estarem presentes no Centro Português do Surrealismo, os dois artistas estão homenageados na toponímia da cidade. E tal como acontecera na morte de Cesariny, também agora a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão decretou luto municipal.

“Partiu um amigo de Famalicão. Um artista único cuja obra vai permanecer viva em Famalicão”, declarou o presidente do município, Paulo Cunha.

Está assim explicado que Vila Nova de Famalicão tenha aparecido nas notícias da imprensa e da televisão quando foi noticiada a morte de Cruzeiro Seixas, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, a poucas semanas de completar 100 anos – nascera a 3 de dezembro de 1920, na atual cidade da Amadora, no distrito de Lisboa.

Atualmente, estavam em curso várias iniciativas que assinalariam os 100 anos de aniversário do artista plástico, nomeadamente exposições na Biblioteca Nacional de Portugal e da Perve Galeria, em Lisboa, ambas patentes até dezembro, e a edição da obra poética de Cruzeiro Seixas, iniciada em junho e que se estenderá até 2021.

FIGURA CIMEIRA DO SURREALISMO

Artur do Cruzeiro Seixas frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio, entre 1935 e 1941, participando também dos encontros no Café Hermínius – espaço desaparecido, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa.

Tal como os restantes surrealistas sentiu-se atraído pelo neorrealismo (1945-1946), mas as inquietações plásticas e os desejos de libertação estéticos e ideológicos conduziram-no para o surrealismo.

Em 1948 toma parte na atividade dos surrealistas, mantendo um continuado contacto com o Mário Cesariny e outros membros do futuro grupo “Os Surrealistas”, de que é figura importante. Este grupo defendia uma liberdade poética total que incluía também, e não em pequena medida, a liberdade de pensamento.

Cruzeiro Seixas assumiu o projeto surrealista, desde 1949, e não mais o abandonou até à atualidade, afirmando-se na área do desenho, na qual desenvolveu com grande perícia técnica um universo muito pessoal. Representa, na sua obra, um universo imaginário “estranho e cruel” através de contrastes entre pretos e brancos.

Em 1951 alista-se na Marinha Mercante, viajando por África, Índia, Extremo Oriente e acaba por fixar-se em Angola até ao desabrochar da guerra colonial. Aqui desenvolve o gosto pela dita “arte primitiva”. Num percurso individual continuou a ação surrealista até à atualidade.

MEDALHAS PARA O ARTISTA

Em 2015, Artur de Cruzeiro Seixas, que nos anos recentes chegou a viver em Vila Nova de Famalicão durante algum tempo, foi homenageado com a medalha de honra do município.

Em 2009, foi agraciado por Cavaco Silva, então Presidente da República, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

No dia 14 de outubro de 2020 foi condecorado com a Medalha de Mérito Cultural, pela Ministra da Cultura, Graça Fonseca.

Desde 1999, a Fundação Artur Cupertino de Miranda é detentora do seu acervo pessoal, constituído por cartas, postais, cadernos manuscritos, fotografias, desenhos, catálogos, serigrafias, colagens, objetos, pinturas, entre outros.

A sua obra encontra-se representada em diversas coleções privadas e em instituições como o Museu do Chiado (Lisboa), Centro de Arte Moderna da Fundação Caloust Gulbenkian, Biblioteca Nacional, Biblioteca de Tomar, Fundação Cupertino de Miranda (Famalicão), Museu Machado de Castro (Coimbra), Fundação António Prates (Ponte de Sor), Fundación Eugenio Granell (Galiza) ou o Museu de Castelo Branco.

OS DIÁRIOS DE CRUZEIRO SEIXAS

No acervo agora disponível na Fundação Cupertino de Miranda, destacam-se os 42 “Diários não Diários”, criados por Cruzeiro Seixas, que são um registo de memórias, projetos e ideias, recorrendo essencialmente à “colagem com fragmentos das suas vivências”.

Cruzeiro Seixas mencionou que estes cadernos possibilitaram atenuar a solidão, partilhando consigo próprio o seu dia a dia. Foi o seu espaço de pensamento, com simples alusões diárias do que se passava no seu universo pessoal e profissional.

Nestes cadernos encontramos várias temáticas, assim como colagens com diferentes tipologias documentais. Encontramos desde documentos pessoais; bilhetes de entrada, convites e desdobráveis de exposições; pequenos livros; postais; cartas; poemas; fotografias pessoais e de outras pessoas, locais e de obras de arte; recortes de imprensa; ideias e pensamentos, manuscritos e datilografados, do próprio; citações e pensamentos de outros autores, também manuscritos ou datilografados; desenhos, estudos e colagens, de Cruzeiro Seixas e, nalguns casos, com outros autores.

“Entrar em cada caderno é revisitar o passado de Artur Manuel do Cruzeiro Seixas”, considera a Fundação Cupertino de Miranda, em texto publicado no Facebook.

Cruzeiro Seixas foi um dos protagonistas mais importantes do movimento surrealista em Portugal. E era o único sobrevivente do grupo “Os Surrealistas”.

O grupo “Os Surrealistas” defendia uma liberdade poética total que incluía também, e não em pequena medida, a liberdade de pensamento.

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