Com as obras de renovação urbana, algumas ruas do centro de Famalicão passaram a zona de coexistência, também conhecidas como vias partilhadas. O conceito é interessante e assenta na eliminação das fronteiras entre o espaço do peão e do automóvel (ou outros meios de locomoção).
O objetivo é criar um desconforto no automobilista, quando circula nestas vias, associado à incerteza sobre o uso da mesma: a qualquer altura pode aparecer uma criança com uma bola, conforme nos surge na sinalética associada.
Ora aqui está uma excelente ideia, mas fora do seu contexto. Assim, vejamos o resultado da mesma utilizando a máxima confucionista de “uma imagem vale mais do que mil palavras”.
Pois é! Os automóveis ocupam 100% do espaço livre (fora da via de circulação), para além disso o condutor tem a visibilidade cortada por estes mesmos automóveis estacionados em todos os recantos.
Por sua vez o peão é obrigado a caminhar no centro da via – em constante estado de alerta (stresse). Relativamente às crianças a brincar na rua (imagem da sinalética)… o melhor é ficar, mesmo, só pelo conceito.
Ou seja, inverteu-se a ordem das coisas.
E agora?
Isto é uma chatice, pois para refazer alguma coisa são precisos mais uns milhões de euros. Como até agora já lá vão mais de 10 milhões nestas obras infindáveis e já não temos holandeses ou alemães que nos alimentem esses luxos, temos mesmo de ficar com a coisa tal qual ela está.
Nota: esses 10 milhões a dividir pela população do concelho dá um valor próximo dos 80€ por famalicense, não importando a sua idade ou outra condição. Cá em casa, somos 4, por isso dá mais de 300 euros.
Como somos um povo criativo, arranjaram-se umas “floreiras” para balizar o limite do espaço do automóvel (e lá se foi a ideia da via partilhada). Cada vaso a €500 / €1.000, mas diga-se em abono da verdade que são belas peças de decoração urbana.
Estou a ser sincero, mas convicto que não valem o preço, pelo menos para propósito em apreço. Mas mesmo com as floreiras, há sempre algum espaço para o carrito.
Quanto à fiscalização (PSP ou Polícia Municipal), se ela existe, pouco ou nenhum impacto tem nos comportamentos dos automobilistas e não vejo que no futuro isso seja diferente.
Conclusão, perante o desafio de limitar o uso do automóvel no centro da cidade (e fora dela) convirá começar por um bom diagnostico e identificar as “variáveis da equação”.
Temos uma rede de transportes públicos moderna e funcional?
Foram criadas condições para aceder ao centro da cidade a pé de forma segura e confortável?
A atual “rede” de ciclovias que liga o eixo Estação Ferroviária – Parque da Devesa, com uma ramificação para a zona escolar, responde as necessidades do dia-a-dia ou tem, simplesmente, uma função lúdica: de passeio de fim-de-semana até à Povoa?
Fomentou-se novas centralidades na área urbana? As periferias têm vida própria com serviços, equipamentos e espaços urbanos qualificados?
Tentando responder a estas perguntas, não vejo como o resultado poderia ser diferente.
Dizem que Abraham Lincoln, quando questionado sobre como usaria o seu tempo se tivesse 6 horas para cortar uma árvore, ele terá respondido que usaria as quatro primeiras horas para afiar o machado (trata-se de uma metáfora, p.f. não cortem a árvore).
Preparar o território para o futuro, passa mais por planear, organizar, corrigir, fiscalizar, formar, informar, qualificar áreas naturais e renaturalizar espaços humanizados e menos pela realização de grandiosas obras de betão e granito. Para isso já tivemos os anos 90 do século passado e a primeira década deste século.
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