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Quarta-feira, 2 Abril 2025
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.

Candidaturas, tratam-se

Hoje por hoje, a distrital do PSD tem um nome: Paulo Cunha; a nacional tem um nome: Luís Montenegro. Dois senhores com destino entrelaçado, e já foi mais famoso, diga-se.

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Economista famalicense.

Famalicão

“Sejamos claros. Luís Montenegro não é um empresário que virou político, é um político que fez negócio possibilitado pelas suas conexões políticas.”
In “Observador”, Diogo Isidro e Luís Miguel Soares, 12.03.2025

Venho pretendendo que estas crónicas versem sobre temas locais. Pois é esse o foco do NF e também porque não faltam outros fóruns, de âmbito nacional, onde esses temas são por certo e suprassumamente trabalhados.

Perceba-se; nós por cá tampouco nos falta assunto. E não sendo nós, quem faria o trabalho miúdo de escrutinar os poderes locais, e mais ainda os que nos tocam de perto? Não os comentadores dos telejornais, isso é certo.

Vem isto a propósito da queda do governo. Já muito se disse, desdisse e redisse no panorama jornalístico nacional. Ora eu, aqui chegados, descansem que não me proponho acrescentar um ponto à vírgula no que toca a culpas e passa culpas. E sempre é da forma que me poupo a cair no mais imperdoável anátema do cronista: o lugar-comum.

Mas porém, há sempre um porém… Lá está, puxando a narrativa para a perspetiva local: é que nesta história toda, até agora pelo menos, parece-me a mim haver um ângulo morto, e vem passando pelo meio dos pingos da chuva do comentário político. É este: então a gasolineira do pai do agora candidato do PSD à câmara de Braga contratou serviços de consultoria à empresa do então candidato à presidência do PSD, no valor de quase 200 mil euros (mais IVA)?

Sim, eu sei, isto foi noticiado amplamente. Só que fica a faltar levar o argumento até à consequência, e é quase, quase de preguiça que estamos a falar, como se desfiar o novelo fosse um trabalho já demasiado abusivo. Na verdade, intuo a razão de ser para este desleixo pegado: o faro jornalístico, centrado em Lisboa e nas suas centralidades, sente que a presa não vale o esforço. E cá nos deixam entregues uns aos outros. Mas não seja por isso, estamos cá para isso mesmo.

Repare-se na cronologia: corria o ano de 2021, Montenegro atravessava o seu deserto político. Enquanto se posicionava como candidato sombra à presidência do PSD, na esfera privada, sabemo-lo agora, os negócios iam de vento em popa. A especialidade – oh, surpresa! – eram os ajustes directos: para se ter uma ideia, entre 2014 e 2022 a sua sociedade de advogados facturou 670.000 euros a entidades públicas. Só nas câmaras de Espinho e de Vagos foram dez ajustes directos!, em valor superior a 400.000 euros. Deixo à curiosidade do leitor saber qual era o partido que mandava nessas autarquias.

[Gosto destes campeões do empreendedorismo e da iniciativa privada que enriquecem encostados à teta gorda do Estado]

E nunca será demais lembrar que, nessas eleições internas do PSD, também em Famalicão Luís Montenegro ganhou ao nosso conterrâneo Jorge Moreira da Silva. Ganhou, e por larga margem. Pois tiveram o que queriam: alçar ao poder uma rede clientelar de pequenos interesses e promiscuidades a rodos; eis perante nós o esplendor de um capitalismo de compadrio instalado nas autarquias, depois estendido aos negócios locais e às repartições públicas, pequenas e não tão pequenas assim. Nem admira que tantos por estes dias acudam à razão que assiste ao primeiro-ministro por acumular avenças com o cargo executivo mais importante do país: fariam o mesmo. Fazem o mesmo. Todos os dias, sempre que podem. É para o que estamos.

E defendem-no com uma espécie de fervor clubista. Atento o espectáculo sórdido, eivado de insultos gratuitos, que insignes “conselheiros” do PSD nos deram, ao vivo e a cores, por ocasião do último conselho nacional do PSD, talvez seja mesmo verdade que Jorge Moreira da Silva é bom demais para o país que somos. Que se deixe estar lá onde está agora, longe disto tudo.

Adiante. Pela mesma altura, uma empresa anódina de Braga dedicada ao comércio de combustíveis decidiu que o que precisava mesmo era de uma reestruturação empresarial. Para tanto empenho todo o incómodo era pouco, de modo que meteu os pés ao caminho em busca de “apoio especializado”, inevitável como ele é. Só parou em Espinho. Em Espinho é que estava o “extraordinário acompanhamento, disponibilidade e profissionalismo” de que precisava, disse-o há bem pouco tempo o sócio-gerente quando instado a justificar um tão avultado investimento.

Ora aqui está um homem em cujas mãos o dinheiro não chora, não é verdade? Mas passemos ao lado da maquia – embora a todos os títulos seja uma bela maquia!

Sobre isto. Diz Montenegro que facturou de uma só vez, por fecho de contas, a súmula de quase dois anos de trabalho. Aproveitou para destrunfar um rol de palavras caras – “consultadoria de gestão”, “planeamento estratégico”, “apoio e formalização das respetivas operações”, “processos negociais de arrendamento”. Impressiona, não impressiona? Pronto, está explicada a maquia.

Eu apenas observo… Será que este empresário paga, já não digo aos gasolineiros, mas ao seu director financeiro, ao seu director de compras, ao seu director jurídico!, um salário anual próximo daquela verba? Aos três por junto, e se ainda ao menos fosse assim? Deixo aqui o apelo, haja alguém a poder sanar-me esta dúvida… Não é para mim! É para um amigo que está desempregado…

É que, nesse entretanto, foi Montenegro eleito presidente do PSD. Coisas da vida, e às vezes são boas, não é assim? Permito-me, porém, convocar para a análise a mais velha regra da política: ninguém chega aos lugares sozinho. Pois não, não chega. Para quem apostou nele, é o que se chama uma aposta ganha.

E é aqui que o novelo adensa narrativa adentro. Atentemos: o planeta lá deu a proverbial volta ao sol e com isso eis-nos chegados a um novo tempo político: as eleições autárquicas. Em Braga, Ricardo Rio, o actual presidente da câmara, não pode candidatar-se novamente por ter cumprido o limite de três mandatos sucessivos. Tratou de indicar a vereadora Olga Pereira para lhe suceder como candidata do partido à câmara de Braga, mas quem ganhou as eleições na concelhia do partido foi outro vereador, João Rodrigues. Sim, esse mesmo: é filho do empresário pródigo a pagar consultorias.

Mas não paga a qualquer um, só a quem merece. O filho de Luís Montenegro, que apesar da tenra idade agora é CEO da empresa mais famosa do país – façam o favor de avisar a Porto Editora de que está escolhida a palavra do ano –, teve até a feliz ideia de recentemente publicar nas suas redes sociais o seguinte repto que, digo eu, serve à população em geral: “Não sejam invejosos, trabalhem”. É isso, miúdo: era mesmo isso o que precisávamos de ouvir.

Em todo o caso, tenhamos claro que quem decidiu os destinos da eleição foram os militantes da concelhia do PSD de Braga. Mas seria inocência em demasia assumirmos agora que a distrital do partido e os órgãos nacionais do partido não fossem ter uma intervenção decisiva no processo de escolha do candidato à câmara da terceira cidade mais importante do país, não? Como, aliás, se vê pelo exemplo de Famalicão.

Hoje por hoje, a distrital do PSD tem um nome: Paulo Cunha; a nacional tem um nome: Luís Montenegro. Dois senhores com destino entrelaçado, e já foi mais famoso, diga-se. Gostos comuns também têm: relógios caros é só um deles. Mas importa ponderar no que significa isto de termos uma empresa que sai de Braga à procura de um consultor especializado e só pára em Espinho. É muita pontaria junta. Até porque podia escolher, certo? Dinheiro não era problema.

Lamento dizê-lo, mas isto a mim parece-se mais com o financiamento encapotado de uma campanha política do que propriamente com decisões de gestão à prova de bala. E de bom-senso.

E faz-me lembrar uma expressão com contornos vicentinos que entrou no léxico contemporâneo dos portugueses por obra do juiz Ivo Rosa na decisão instrutória do “Processo Marquês”: “mercadejar com o cargo”. Lembram-se? Eu, sim.

A hipótese é esta: será assim tão estapafúrdio os eleitores de Braga sentirem-se defraudados pelo facto de o partido incumbente na autarquia escolher um candidato alavancado por barganhas estranhas ao processo político?

O que já sabíamos antes desta polémica: relações transacionais existem desde sempre na política e são transversais a todos os partidos. Faz parte da natureza humana, não discuto. Dispensavam-nos era da lengalenga sobre o sucesso profissional e a carreira fora da política. Faz-nos parecer mais crédulos do que estamos dispostos a ser.

O que não sabíamos: Montenegro tinha quase duzentas mil razões para preferir este candidato ao outro.

Para fechar, então e se jogássemos ao jogo das palavras? Funciona assim: tornam ao parágrafo de abertura que eu impunemente citei de um artigo do “Observador” escrito por dois jovens militantes do PSD. Posto isso, trocam a palavra “empresário” pela palavra “advogado” e o nome “Luís Montenegro” por alguém cá do burgo que eu sei, tu sabes, ele sabe, nós sabemos, vós sabeis, eles sabem: quem é?

E o que é que fica?

Um azar dos Távoras, é o que fica. E é todo nosso.

 

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Paulo Barros
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