“Obediência, subserviência docilidade eram essas as virtudes necessárias.”
Os Testamentos – Margaret Atwood
Famalicão é um concelho conservador, com um pendor individualista e patriarcal. Se as duas primeiras podem coabitar com modos diferentes de viver (posso ser conservador e individualista sem impor esses modos de vida ao resto da sociedade), a última corresponde a um sistema social discriminatório e incompatível com os valores da democracia contemporânea, que no caso português está vertido no artigo 13º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Ora, quem nos representa (localmente, dado que o foco desta crónica é sempre o contexto famalicense) deve liderar a mudança de comportamentos e ser exemplar nas oportunidades dadas às populações vítimas de preconceitos.
Avancemos então para factos e quantificações:
Executivo Municipal com pelouro atribuído é constituído por 7 elementos, 5 homens com 28 pelouros e 2 mulheres com 9 pelouros.
Homens: Mário Passos – Presidente com 12 pelouros, Ricardo Mendes – Vice-presidente e Vereador com 4 pelouros, Augusto Lima – Vereador com 5 pelouros, Pedro Oliveira – Vereador com 3 pelouros e Hélder Pereira – Vereador com 4 pelouros.
Mulheres: Sofia Machado Fernandes – Vereadora com 6 pelouros e Luísa Marlene Costa Azevedo – Vereadora com 3 pelouros.
A mesa da Assembleia Municipal tem como presidente Nuno Melo, 1.º secretário Luís Oliveira e como 2.ª Secretária Susana Ferreira.
Dos 5 grupos parlamentares só a CDU é liderada por uma mulher: Tânia Silva, e só o PAN apresentou uma candidata à presidência do município: Sandra Pimenta.
Nas 34 freguesias (ou uniões) só encontramos 4 mulheres na presidência.
Ao fazer quase 190 anos, o concelho de Famalicão não tem uma mulher na Galeria de Presidentes. Nem os quase 50 anos de poder local democrático alteraram a situação.
Nos censos 2021 foram contabilizadas 69.085 mulheres no nosso concelho – 52% da população. As mulheres também estão em maioria na indústria têxtil, com os seus baixos salários, nas reuniões de pais das escolas e em tudo que envolve a assistência ou cuidado informal à família, ascendentes, descendentes e parceiros, para além disso são maioritárias no ensino superior.
Este padrão também tem o seu inverso em determinadas funções. Por exemplo, já alguém viu um educador (homem) de infância em Famalicão? Também os homens são vítimas dos papeis de género determinada pela cultura dominante. O ato de cuidar conjuga-se, quase sempre, no feminino e isso coloca uma barreira a muitos homens de seguir as suas vocações. Num tempo em que tanto falamos na perda de talento, desperdiçamos 50% dele no preconceito de género.
Este preconceito é tal que até os modos e a forma de estar em sociedade é sua vítima. Qualquer homem com uma voz mais doce ou modos mais suaves tem “objetivamente” a sua orientação sexual definida: é “gay”, até pode não saber, mas é. Isso, num tempo, em que já não há qualquer dúvida que orientação sexual e definição de género são coisas distintas.
Entendo que o poder local tem de dar o exemplo. Definam-se cotas, façam-se campanhas de recrutamento com uma discriminação positiva para as mulheres, identifiquem-se nas escolas, fábricas, escritórios e nos campos mulheres com valores e valor e tragam-nas para a causa pública. É imperativo, Portugal tem um déficit enorme de participação cívica.
O universo masculino sempre se preocupou com o tamanho, por exemplo, o Sr. Presidente da Câmara começou por apresentar o orçamento para 2024 destacando que era o “maior orçamento da nossa história”. Ao qual poderíamos juntar, mais estradas, mais rotundas, mais betão…
Eu sei que se cuidarmos bem, gastamos menos, e nesta matéria as mulheres têm milénios de treino e experiência. Os recursos do planeta estão a esgotar-se, é tempo de mudarmos, de cuidar do que temos, de partilharmos recursos e de devolver à natureza tudo o que origina desequilíbrios. A nossa carteira e o nosso planeta vão agradecer.
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