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Sábado, 12 Abril 2025
Ângelo Ferreira
Ângelo Ferreira
Frequenta a Licenciatura em Direito na Universidade do Minho.

A propina: o bicho papão do ensino superior (parte 2)

Quando é que vamos ter, finalmente, os critérios económicos do aluno a definir o seu valor de propina a pagar?

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Ângelo Ferreira
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Frequenta a Licenciatura em Direito na Universidade do Minho.

Famalicão

No Dia do Estudante, o tema da propina voltou a ser a matéria central das manifestações, a par dos grandes custos do ensino superior. A abolição da propina faz sentido?

Como vivemos num estado social, onde a educação é um pilar fundamental, talvez faça sentido que a educação seja totalmente gratuita. A Constituição portuguesa refere no artigo 74º, 2, e) que incumbe ao estado estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.

A verdade é que o Estado nunca cumpriu este preceito, subindo progressivamente a taxa. Aliás, na segunda revisão constitucional foi amplamente discutida a eliminação desta cláusula de progressividade da gratuitidade do ensino superior, mas não reuniu votos a favor.

Neste âmbito, há quem considere que aumentar a propina quando a constituição tem esta norma é uma manifesta violação do princípio da proibição do retrocesso social, pois o Estado está a imiscuir-se negativamente no âmbito de direito social, como é o direito à educação. Então, será que a lei da propina é inconstitucional?

Além disto, será que ter um ensino superior gratuito não irá provocar uma degradação maior das universidades públicas? Isto porque o Estado pode acabar por transferir verbas mais baixas para as instituições, provocando um problema dentro de cada universidade para gerir o dinheiro face aos custos.

Em 2017, se a propina tivesse sido abolida, o Estado teria de colocar 330 milhões de euros nas instituições de ensino público universitário para segurar as verbas perdidas. Todos nós com os nossos impostos teríamos de assegurar esta verba, colocando em causa o Princípio do Utilizador-Pagador.

Mas será que faz mesmo sentido que alguém que possa pagar as propinas, não o faça para que tenhamos um ensino totalmente gratuito? É compreensível que alguém não financie o seu ensino quando tem possibilidades para tal, somente porque alguns partidos à esquerda querem abolir a propina?

Neste âmbito existe uma certa incoerência nos partidos à esquerda, porque defendem a redistribuição, isto é, que o Estado deve progressivamente taxar mais quem tem maiores rendimentos de forma a poder ajudar os que tem menos rendimentos, contudo, no que toca a este tema defendem que ninguém deve pagar propinas.

Assim, têm como bandeira a abolição de propinas, e preferem que alguém que possa pagar, não o faça, só porque querem o ensino universitário gratuito. Querem taxar e taxar os mais ricos, mas querem, com o fim das propinas, que os mais pobres financiem os estudos dos mais ricos.

Do meu ponto de vista, as propinas têm a sua quota parte de correção social, ao permitir que alguém que tenha possibilidades pague esse valor e outro estudante que não tenha grandes possibilidades financeiras não pague, porque a bolsa de ação social do estado transfere todos os meses um valor para que o aluno pague a propina.

Ao ouvirmos que as propinas são um grande entrave à frequência do ensino superior estamos a ouvir alguém a denegrir o papel da ação social, que permite criar uma igualdade de oportunidades para todos os estudantes.

Mais uma vez, é também isso que a nossa Constituição pretende ao estabelecer no artigo 74º,1 que todos tem o direito ao ensino, com a garantia de igualdade de oportunidades, pois o aluno não tem culpa de ter nascido “num berço de palha”. Logo, pretende-se com este direito garantir que todos tem possibilidade de prosseguir os estudos.

Para mim, o sistema é bom, mas não é perfeito porque há sempre casos em que não há apoio e devia haver, e noutros em que há apoio, mas a pessoa claramente não precisa dele. Mesmo com todas estas questões porque o sistema não é infalível, a ação social faz o seu papel de ajustamento das propinas consoante os rendimentos do agregado.

Logo, se o Estado fizer o seu papel de proteção social, através das bolsas, a situação é resolvida e ninguém ficará sem frequentar a universidade por causa da propina. Haverá aqui outros problemas no acesso ao ensino superior, como o alojamento, que é difícil de arranjar e bastante caro, pelo que se revela uma dificuldade, que a meu ver é bem maior do que esta taxa. Mesmo assim, para se estabelecer a igualdade de oportunidade, cabe ao Estado ajudar os jovens neste aspeto, e a bolsa de ação social tem um complemento para o alojamento.

Ora, no fundo, atualmente existe um valor fixo de propina, mas o valor efetivamente suportado pelo estudante varia. Por isso, acontece na prática aquilo que o primeiro-ministro Cavaco Silva pretendia em 92: que o valor da propina não fosse fixo, mas sim que variasse consoante os rendimentos do agregado.

Este é para mim o modelo que faz mais sentido e que suscitou dúvidas da sua constitucionalidade, quanto à violação do princípio da igualdade (Art 13 CRP) e do princípio da proporcionalidade (Art 2 CRP).

Quando o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de diversas normas do diploma (Acórdão 144/94), nunca colocou em causa, os diversos escalões criados pela lei. Por isso, este modelo respeita a Constituição desde que seja proporcional e que tenha critérios que permitam uma igualdade material entre os alunos.

Na exposição de motivos da Lei 20/92 referia-se o seguinte: “Nesta matéria a situação que, se verifica em Portugal é profundamente inequitativa, na medida em que introduz uma discriminação negativa nas despesas das famílias portuguesas com a educação, resultando num maior benefício para as famílias de mais altos rendimentos, e contraria a justiça distributiva visada pelo sistema fiscal. (…) Acresce, ainda, que se trata de um valor igual para todos os alunos, independentemente da sua situação económica, o que introduz um outro fator de injustiça, uma vez que no ensino superior os benefícios revertem em parte para os próprios alunos.”

Assim, a posição na altura foi de que um valor fixo de propina, como temos atualmente, era um fator de injustiça porque não tinha em conta o fator económico do aluno.

Tendo a concordar com esta ideia, até porque um sistema de propinas baixo beneficia as famílias que tem altos rendimentos, quando esses alunos poderiam e deveriam pagar mais.

A forma de resolver isso é criar diversos escalões de propina consoante o valor dos rendimentos permitindo, então, que haja uma proporcional diferenciação entre os alunos consoante as suas “posses”.

A verdade é que em Portugal já existe uma diferenciação do valor de propinas entre alunos. Os alunos internacionais e da comunidade de países de língua portuguesa pagam um valor diferente entre si, e superior ao valor pago pelos alunos nacionais.

Aqui a justificação para tal, não é as “posses”, mas o facto de se entender que o Estado não tem o dever de proporcionar o direito à educação de igual forma entre os nacionais portugueses e os alunos estrangeiros. Neste âmbito, considerou-se que tal era perfeitamente válido à luz da nossa Constituição, não havendo aqui qualquer violação do princípio da igualdade (Art 13º CRP)

Portanto, quando é que vamos ter, finalmente, os critérios económicos do aluno a definir o seu valor de propina a pagar?

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