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Domingo, 9 Março 2025
Miguel Roque
Miguel Roque
Arquiteto e aderente do Bloco de Esquerda.

A Caverna

Numa operação urbanística desta magnitude o que está em causa não é “apenas” a construção de um estádio ou de um centro comercial, mas sim a consumação do modelo de desenvolvimento da cidade.

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Miguel Roque
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Arquiteto e aderente do Bloco de Esquerda.

Famalicão

“Vou a tempo, disse, e era certo, ia a tempo, no fim de contas é como sempre vamos, a tempo, com o tempo, no tempo, e nuca fora do tempo, por muito que disso nos acusem.”
José Saramago in “A Caverna”

Na passada sexta-feira, o Presidente da Câmara anunciou, em conferência de imprensa, o lançamento de um concurso internacional para a construção de um Estádio Municipal.

 Este lançamento representa uma opção clara do executivo: deve ser construído um estádio municipal no centro da cidade, com uso exclusivo do Futebol Clube de Famalicão – Futebol S.A.D. (FCF-SAD). Numa cidade onde cada metro quadrado é disputado por múltiplos e legítimos interesses, esta seria sempre uma equação difícil de resolver. Venceu o FCF-SAD e uma parte dos seus adeptos, perderam todos quantos desejavam a consolidação de um quarteirão desportivo acessível a todos, no centro da cidade, perto da zona escolar. Já contei essa história com mais de 30 anos aqui.

Para financiar a construção do Estádio, será autorizada a construção de um centro comercial (e de serviços) com 37.800m2 de área de construção, o que equivale a um edifício de 5 pisos do tamanho do campo de treinos do Estádio, a que se juntam 16.500m2 de estacionamento privado. Este será o preço do novo estádio que os famalicenses estão a oferecer ao FCF-SAD: fica hipotecada de vez a construção de em quarteirão desportivo na cidade.

O único equipamento verdadeiramente público que esta operação irá gerar (o estádio será de utilização exclusiva da sociedade desportiva e o centro comercial será explorado pelo sector privado) é um espaço cultural de 2.400m2, mas, segundo o Presidente da Câmara, o custo da sua construção será suportado, em parte ou totalmente, pelo Município.

A indispensável revisão do PDM que possibilita tal construção ainda não está concluída, pelo que esta conferência de imprensa também serviu para que soubéssemos o resultado da discussão pública da revisão do PDM no que respeita à alteração que recebeu o maior número de propostas por parte dos famalicenses. Mais difícil ainda é entender como pode ser anunciado um concurso para o qual é necessária uma alteração ao PDM que não está concluída, uma vez que ainda não foi aprovada nem pela Câmara Municipal nem pela Assembleia Municipal, a quem compete a deliberação final sobre a proposta.

DÚVIDAS E PREOCUPAÇÕES

Numa operação urbanística desta magnitude o que está em causa não é “apenas” a construção de um estádio ou de um centro comercial (e de serviços), mas sim a consumação do modelo de desenvolvimento da cidade. Seria importante que, antes de se partir para o que não tem volta atrás, se soubesse o que pensam os tais legítimos interessados naqueles terrenos, nomeadamente:

  1. O que pensa a ACIF sobre a construção de um centro comercial (e de serviços) desta magnitude no coração da cidade?
  2. Como olham para esta proposta o Famalicense Atlético Clube (FAC), o Grupo Desportivo Natação de Famalicão (GDNF) e o Ténis Clube de Famalicão (TCF), que ficam sem espaço para expandirem as suas infraestruturas desportivas já sobrelotadas e decadentes?
  3. O que pensam os pais, diretores e professores das escolas D. Sancho I, Camilo Castelo Branco, Júlio Brandão e Centro de Cultura Musical sobre a construção de um centro comercial (e de serviços) desta dimensão na sua área de influência urbana?
  4. O que pensa o principal partido da oposição sobre a forma como esta solução desvirtua o PDM que há 30 anos fez aprovar?
  5. O que pensam os jovens famalicenses, que vêm nascer mais um centro comercial (e de serviços) no centro da cidade, que em nada contribuirá para solucionar os seus prementes problemas de acesso à habitação?

Tratando-se de uma decisão central na vida do concelho, julgo que seria justo que Mário Passos inscrevesse este seu centro comercial (e de serviços) no programa eleitoral que certamente está a preparar, em vez de comprometer a Câmara Municipal com esta concessão de 50 anos, lançando atabalhoadamente este concurso internacional a seis meses das eleições.

 UMA SUGESTÃO

Convido o leitor a visitar o Parque de Jogos da Avenida Júlio Graça, em Vila do Conde, num sábado solarengo. Lá encontrará crianças a brincar, jovens e adultos a praticar desporto, famílias a passear e idosos a conviver, os clubes da cidade a treinar, enfim, a cidade a utilizar o seu quarteirão desportivo.

Este concurso que o executivo municipal acaba de anunciar destrói a possibilidade de termos algo semelhante em Famalicão – à beira das escolas, no centro urbano, nos poucos terrenos públicos disponíveis – e transforma esse imenso potencial num centro comercial (e de serviços).

 

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Miguel Roque
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